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Da descoberta do zika vírus a nanopartículas em fungos: conheça a ‘balbúrdia’ da Ufba

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Começou com o surto de uma doença misteriosa em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). As pessoas tinham a pele cheia de marcas vermelhas, sentiam coceira, febre, dores nos olhos e articulações. Era março de 2015 quando o infectologista Antônio Bandeira, que trabalhava na cidade, entrou em contato com um amigo – o virologista Gúbio Soares, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba). 

Queria ajuda para descobrir o que acontecia ali. Enquanto as pessoas levantavam hipóteses como a contaminação da água, o professor Gúbio e a também professora e pesquisadora Silvia Sardi analisavam amostras. Um mês de análises depois, chegavam ao resultado: a dupla descobriu o vírus da zika no Brasil, colocando a Ufba nas principais manchetes do país. 

“O (então) ministro (Arthur) Chioro confirmou que era isso e que nosso trabalho era algo sério, importante para o país e para a humanidade. A partir daí, publicamos vários trabalhos e a coisa ganhou corpo no Brasil e no mundo inteiro a partir da nossa descoberta”, explica Soares, coordenador do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da instituição. 

De lá para cá, mais pesquisas sobre a zika – e outras arboviroses – foram desenvolvidas. Do mesmo laboratório, por exemplo, saíram descobertas como o vírus da chikungunya no sêmen humano e no leite materno. Mas a questão é que a Ufba não se resume a isso. Com 72 anos – além dos 211 da Faculdade de Medicina, a mais antiga do Brasil – a instituição se destaca em dezenas de outras áreas. 


O virologista Gúbio Soares foi um dos responsáveis pela descoberta do vírus da Zika no Brasil, em 2015 (Foto: Marina Silva/CORREIO) 

Produtividade
Na semana em que o Ministério da Educação (MEC) confirmou o bloqueio de 30% dos recursos repassados ao funcionamento de custeio – que inclui as contas de água, luz, telefone, limpeza e segurança –, a Ufba voltou ao noticiário nacional. 

Na terça-feira (30), o ministro Abraham Weintraub, titular do MEC, chegou a afirmar, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, que a Ufba, assim como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), teriam verbas reduzidas por promoverem “balbúrdia” e terem baixo desempenho acadêmico. Depois da repercussão, o MEC voltou atrás e anunciou que todas as instituições federais de ensino sofreriam bloqueio. 

O alegado baixo desempenho acadêmico foi um dos alvos de protesto. Um dos principais rankings internacionais, o Times Higher Education, colocou a instituição como uma das 10 melhores do Brasil – 15 universidades brasileiras ficaram entre as mil melhores do planeta. Na classificação das melhores da América Latina, a Ufba passou da 71ª para a 30ª posição, de 2017 para 2018.

Da mesma forma, a Ufba passou de 15º lugar para 14º, entre 2017 e 2018, no Ranking Universitário Folha (RUF), o principal do Brasil. Em entrevista ao CORREIO, esta semana, a coordenadora do RUF desde a primeira edição, Sabine Righetti, explicou que entre 2008 e 2017, a Ufba aumentou sua produção científica em 102%, na base de periódicos Web of Science. No mesmo período, a média nacional foi de 65%. 

De fato, hoje, a Ufba conta com 19 pesquisadores com produtividade 1A, de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O órgão divide os pesquisadores bolsistas em dois níveis (1 e 2). No nível 1 há uma gradação em letras (A, B, C e D) – os 1A são considerados os maiores pesquisadores do país. 

O CORREIO preparou uma lista com 10 iniciativas – entre pesquisa e extensão – de excelência na Ufba. Para chegar aos 10, pedimos indicações a diretores de faculdades e institutos, além da própria Reitoria. O resultado é uma lista que inclui trabalhos nas áreas de Saúde, Biológicas, Artes e Humanas. Mesmo com a variedade de áreas, muita coisa ficou de fora. Conheça parte da ‘balbúrdia acadêmica’ na mais importante universidade da Bahia. 

1. Zika, dengue, chikungunya e outras arboviroses
descoberta do vírus da zika por pesquisadores do Laboratório de Virologia da Ufba, em 2015, é destacado por especialistas e veículos de comunicação até hoje, mas, de lá para cá, a instituição esteve à frente de pesquisas importantes com desdobramentos sobre a doença. 

Na época, aos pesquisadores Gúbio Soares e Sílvia Pardi suspeitavam que era algo transmitido por um inseto. Testaram pouco mais de dez vírus para o diagnóstico até chegar a vez da zika. De fato, o trabalho dos dois colocou o laboratório de virologia em um nível internacional – capaz de competir com universidades estadunidenses, inglesas ou alemãs. 


O laboratório de virologia continuou pesquisando sobre a zika e seus desdobramentos

Mas não parou por aí. Os pesquisadores encontraram o vírus da chikungunya no sêmen de um homem adulto, em amostras recolhidas ao longo de um mês, e no leite materno de uma mãe que tinha tido a doença.

“A mãe estava aflita, o pediatra estava preocupado, mas, em momento algum a criança adoeceu”, lembra Soares. 

Atualmente, o grupo tem estudado meningites virais causadas pelo zika vírus. De 260 amostras coletadas no Hospital Couto Maia, 16% tiveram resultados positivos para o vírus. “Isso é muito importante, porque estamos mostrando que o zika vírus também pode causar meningite”. 

O laboratório ainda foi responsável por encontrar o vírus da febre oropouche, que ainda não tinha sido descoberto na Bahia.  Pouco conhecido no Brasil, o vírus é transmitido pelo mosquito Culicoides paraenses, conhecido popularmente como ‘maruim’ e provoca febre, mal-estar e dor de cabeça. Para o professor Gúbio Soares, a situação de restrição orçamentária na Ufba assusta. “A gente não vai poder trabalhar. A gente vai ficar sentado na porta do instituto, sem poder fazer nada”, lamenta. 


O laboratório de virologia continuou pesquisando sobre a zika e seus desdobramentos

Este ano, pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) chegaram a outra importante descoberta: a de que pessoas que tiveram dengue e adquiriram imunidade têm menos risco de contrair o zika vírus. O estudo foi publicado na revista Science, uma das mais prestigiadas publicações acadêmicas do mundo, em fevereiro. Além do ISC/Ufba, a pesquisa contou com a participação da Fiocruz Bahia e da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. 

Os pesquisadores acompanharam 1.453 moradores do bairro de Pau da Lima, em Salvador, entre março e outubro de 2015 e perceberam que 73% das pessoas contraiu o vírus da zika no período de surto da doença. No entanto, o estudo revelou que apenas um terço dessas pessoas manifestou sintomas – e eles foram leves.

“Observamos que as pessoas que tinham tido infecção por dengue, ou, mais especificamente, tinham anticorpos contra dengue, estavam mais protegidas. Esse foi nosso primeiro achado”, afirmou, ao CORREIO, na época, o coordenador da pesquisa na Bahia, Federico Costa, professor do ISC.

2. Geoquímica do petróleo no Recôncavo baiano 
O petróleo começou a ser explorado na Bahia justamente no bairro do Lobato. Aos poucos, o estado despontou como pioneiro na produção de petróleo – o que fortaleceu a indústria, atraiu investimento e gerou empregos. Mas, nas últimas décadas, a produção nos poços – em especial, no Recôncavo baiano – só tem decaído. É bem nesse contexto que têm se fortalecido as pesquisas na área na Ufba. 

Através do Instituto de Geociências, a universidade começou a desenvolver pesquisas sobre petróleo há mais de 50 anos – tornou-se referência no país. No caso da Geoquímica do petróleo, os estudos datam de 20 anos, através do Centro de Excelência em Geoquímica do Petróleo, o chamado Projeto Geoqpetrol. 

No projeto, foram criadas metodologias que permitem inovar desde a fase de exploração do petróleo – envolvendo procedimentos de monitoramento, geração de bioprodutos e remediação de áreas afetadas por acidentes. 

“Muitas pesquisas ainda estão em andamento, mas muitas das nossas conclusões parciais demonstram o potencial ainda existente da produção de petróleo no Recôncavo baiano e em outras bacias brasileiras”, adianta a professora e pesquisadora Olívia Oliveira, diretora do Instituto de Geociências e coordenadora do Geoqpetrol. 

O grupo tem desde ferramentas para o entendimento de áreas com riscos ecotoxicológicos de acidentes do petróleo até biotecnologias patenteadas para remediar o impacto desse setor produtivo em áreas costeiras. “Atualmente também temos nos dedicado ao entendimento de bacias sedimentares brasileiras, através da modelagem geoquímica e prospecção de microrganismos e enzimas que atuam na degradação de hidrocarbonetos”, explica a professora. 

Com os resultados, o grupo espera, também, ajudar a retomada do petróleo do Recôncavo, através de novas tecnologias na produção dos chamados campos maduros – os que estão em estágio avançado na exploração – além de novas áreas.

“Esses avanços tecnológicos certamente fortalecerão a retomada do setor petrolífero na Bahia, refletindo na atração de investidores e geração de empregos para os baianos”, completa Olívia. 

3. Leptospirose no Subúrbio Ferroviário 
O grupo de pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) sabia de uma coisa: anualmente, explodem casos de leptospirose em Salvador – sempre em bairros periféricos. “Isso não é uma coincidência”, aponta o pesquisador Ricardo Lustosa, um dos responsáveis pelo estudo que busca entender o risco da leptospirose em bairros populares em Salvador. 

Através da análise da soroprevalência nessas comunidades, eles perceberam que a doença era comum em locais onde a infraestrutura, o saneamento básico e as oportunidades são menores do que no restante da cidade. De 2017 para cá, quando o trabalho teve início, o grupo passou por quatro bairros do Subúrbio Ferroviário: Alto do Cabrito, Marechal Rondon, Nova Constituinte e Rio Sena. 

“Verificamos as diversas dimensões que estão associadas à doença. Um dos pontos fortes é a questão da desigualdade, inclusive intrabairro. No próprio bairro, existem áreas mais vulneráveis que outras”, explica Lustosa. 

Famílias com renda menor do que um salário mínimo têm mais probabilidade de serem infectadas. Por isso, eles concluíram que, para que exista mudança, é preciso haver envolvimento da comunidade. Daí, criaram o projeto Jovens Inovadores, que conta com a participação de jovens moradores dos bairros. Eles atuam com registro de fotografias e com a coleta de informações no local.

São desenvolvidos aplicativos geográficos em que esses jovens indicam os locais de maior vulnerabilidade e sugerem intervenções. “Um dos resultados mais importantes que tivemos é que os locais que eles indicam como de risco à saúde sobrepõem às nossas áreas de maior concentração da população soroprevalente para leptospirose. Ou seja: eles conseguem indicar as áreas de risco” . 

O projeto é realizado em parceria com a Escola Politécnica e com o Instituto de Humanidades, Artes e Cultura (Ihac). Ao todo, mais de 30 pesquisadores – entre estudantes e professores – participam. Integrantes do grupo estão presentes, inclusive, em reuniões com um grupo de trabalho com secretarias de saúde locais. A ideia é, nesse grupo de trabalho, traçar estratégias para enfrentar a doença. 

“Esse projeto, além de promover o desenvolvimento dos estudantes, contribui para a formação dessas pessoas como cientistas e promove uma interação com a comunidade. É uma pesquisa que tem um efeito direto na comunidade”. 

4. Nanopartículas de ouro integradas a fungos 
À primeira vista, a pesquisa desenvolvida no Laboratório de Biotecnologia e Química de Micro-organismos, do Instituto de Química, parece ser complicada até de entender. Em resumo, o grupo trabalha com a síntese de nanomateriais para a integração na estrutura de micro-organismos – no caso, fungos. 

“Basicamente, crescemos algumas espécies de fungos e depositamos diferentes materiais na parede celular e isso confere particularidades diferentes para o micro-organismo. Se a gente deposita nanopartículas metálicas, eles passam a apresentar condução metálica”, explica o professor Marcos Malta, um dos coordenadores do laboratório. 

Através disso, as características biológicas e químicas desses fungos são alteradas e eles passam a ter uma aplicação tecnológica – diferente, inclusive, da especialização original. A depender do material depositado na parede celular – pode ser até ouro – as propriedades mudam radicalmente. Se forem depositadas nanopartículas metálicas, por exemplo, em um micro-organismo com estrutura tubular, o fungo pode apresentar uma condução metálica da mesma forma que um fio. 

No caso específico do ouro, os pesquisadores podem depositar nanopartículas de ouro nos fungos. Em seguida, a célula fúngica (que é o componente biológico) é eliminada pelo processo chamado calcinação, que é uma reação química de decomposição térmica. Assim, o ouro depositado retém a morfologia dos fungos e pode ser usado como eletrodos de alta área superficial. 

“É um método muito simples para produzir microtubos de ouro, que, individualmente, são invisíveis a olho nu. Esses eletrodos são importantes para o desenvolvimento de sensores eletroquímicos”, explica o professor Marcos.

“Se a gente decora esses micro-organismos com materiais usados em catálise, eles podem ser utilizados para promover reações catalísticas”. 

Os cortes no orçamento o preocupam. O básico, para que um laboratório funcione, é justamente ter energia elétrica, água e internet. Além disso, os recursos para a compra de insumos químicos e equipamentos já eram escassos. “Especificamente, nosso laboratório funciona com recursos de um projeto que se encerrou em 2015. Quando os insumos químicos acabarem, a nossa pesquisa, infelizmente, vai parar”, lamenta. 

Um dos diferenciais do trabalho deles é que os micro-organismos foram retirados de áreas de restinga da Lagoa do Abaeté, que vem sofrendo um processo de destruição, nos últimos anos, devido à expansão da cidade. “Em Salvador, a região de restinga é pouco estudada. E (no geral), poucos grupos de pesquisa trabalham com micro-organismos, química de materiais e biotecnologia. É uma área nova, que poucas pessoas trabalham e que exige diferentes áreas de conhecimento”. 

5. Resgate de comunidades pela arte
Depois de trabalhar com comunidades de mulheres na Baía de Todos os Santos, no Recôncavo e na África, a artista Viga Gordilho, professora e pesquisadora da Escola de Belas Artes, ganhou uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para passar os próximos seis meses em Portugal, pesquisando plantas consideradas sagradas – como a arruda. 

Ainda que tenha sido uma planta originária do Mediterrâneo, a arruda foi adotada pelos africanos como um talismã. Mas, ao mesmo tempo em que é associada à sorte, quando o chá é preparado em excesso, pode ter propriedades abortivas. 

“Ela tem dois contrastes. Dou um banho de ouro, prata e cobre e transformo em algo precioso da nossa cultura, como se fosse uma joia, para as pessoas se atentarem a essa descolonização. Por que os negros adotaram essa planta, se não era nossa, não vem da África, mas do Mediterrâneo? São muitas sutilezas, memórias invisíveis que tento revelar”, explica. 

Na Ilha de Itaparica, uniu a pesquisa com o resgate da comunidade. Com um grupo de mulheres, costurava travesseiros que eram enchidos com flores de pitanga. Através dos bordados dos travesseiros, as mulheres respondiam perguntas sobre os lugares onde viviam. 

*Correio


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