Houve um tempo em que Vitória da Conquista inteira cabia dentro da praça Tancredo Neves. A afirmação pode parecer absurda a quem desconhece as origens da cidade, mas, tecnicamente, é verdadeira – embora tudo aí deva ser esmiuçado em outros termos. O tempo, mais precisamente, é o período de transição entre o final do Século 18 e o início do 19. Vitória da Conquista era um arraial com aproximadamente 60 casas de pequeno porte. E a praça Tancredo Neves, que sequer existia com esse nome, era ainda um fragmento da então Rua Grande, o vasto logradouro que se iniciava nos fundos da Igreja Matriz e se estendia até o local onde hoje está o templo da Primeira Igreja Batista.
E foi a partir da área correspondente à atual Tancredo Neves que se iniciou o arruamento que, mais tarde, daria origem ao município. Quem conta a história, a partir dessa abordagem, é o professor, advogado e historiador Ruy Medeiros, em seu artigo “Uma praça”, publicado em 2012: “O ‘arraial da Conquista’ cabia todo dentro da área hoje ocupada pela Tancredo Neves”, escreve Ruy, que calcula ainda o que esse casario representaria, em termos populacionais: “Isso, pela estrutura da população da época, significa em torno de 240 a 280 pessoas”.
Portanto, pode-se dizer que a área onde hoje se localiza um dos mais conhecidos cartões-postais urbanos de Vitória da Conquista foi também o nascedouro da cidade. O fato de os moradores do arraial terem fixado moradia ali, após os funcionários da Coroa Portuguesa terem expulsado os povos indígenas Imboré, Mongoió e Pataxó, que habitavam originalmente o local, também não foi por acaso. Segundo o historiador, a escolha se deu pela facilidade de acesso à agua, que surgia de nascentes localizadas na Serra do Periperi.
“As casas foram edificadas com os fundos (quintais) voltados para a beira do córrego da Vitória (ou córrego do Poço Escuro), em verdade o trecho inicial do rio Verruga. E o arruamento seguiu o rio, quer obedecendo a altura das margens, quer obedecendo suas curvas”, narra o pesquisador.
A partir daí, tendo como referência o curso do rio Verruga, a área urbana se adensaria de forma gradual, sem que houvesse um planejamento prévio que não fosse a busca por acesso ao abastecimento garantido pelo reservatório natural. “O arraial, depois Vila, depois Cidade, nasceu com ruas tortuosas”, ressalta o autor.
Nisso, concorda outro pesquisador da história de Vitória da Conquistas: o professor e escritor Durval Menezes, autor de nove livros sobre o tema. “Conquista não foi uma cidade que surgiu projetada por um escritório de engenharia. Surgiu de uma forma rústica, improvisada”, afirma Durval.
Praça da República…
O arraial se tornaria a Vila Imperial da Vitória em 1840, quando se desprendeu da cidade de Caetité. Em 1891, seria elevado à categoria de cidade, inicialmente com o nome de Conquista. Apenas em 1943, o município seria renomeado, oficialmente, como Vitória da Conquista.
Pouco antes, em 1940, ano do primeiro centenário, um processo de fragmentação começou a desfigurar a velha Rua Grande. Como a gestão municipal da época passou a permitir construções no “miolo” da rua, esta foi dividida em duas praças: a Barão do Rio Branco, na parte mais baixa, e a Praça da República, mais acima, a partir da área frontal da Igreja Matriz. A divisão também deu origem às ruas Zeferino Correia e Maximiliano Fernandes.
Praça da República, portanto, foi o primeiro nome oficial do pedaço de terra coberto por jardins e plantas ornamentais, em frente à catedral. A configuração arquitetônica do espaço também era muito diferente do atual aspecto. Havia parque infantil e, a partir do final dos anos 1940, chegou a abrigar um ringue de patinação, entre outras opções de lazer.
…E, finalmente, Tancredo Neves
Foi a intervenção realizada em 1985 que transformou o antigo Jardim das Borboletas na atual praça Tancredo Neves. A nova alteração de nome, após a reconfiguração estrutural, foi uma homenagem ao senador mineiro, eleito indiretamente em 1985 pelo Colégio Eleitoral como o primeiro presidente civil brasileiro desde o golpe civil-militar de 1964. A antiga estrutura do Jardim foi demolida para dar lugar a um novo desenho arquitetônico, assinado pelas arquitetas Sibéria Correia e Ana Maria Domingos.
Com modificações sutis ao longo das últimas quase três décadas, o espaço se mantém até hoje, recebendo famílias com crianças a tiracolo, noivas e mulheres grávidas à procura de paisagens belas e grátis para ensaios fotográficos, turistas em visita à cidade, vendedores ambulantes, estudantes em busca de cenário para selfies, trabalhadores ávidos por um horário de almoço em paz – e, naturalmente, casais dispostos a encontros tranquilos.
Todos entretidos em jogar pipocas e outras iguarias para os peixes, patos e pombos que circulam livremente pelas áreas verdes da praça, ao som do canto dos pássaros que voam por entre as velhas palmeiras imperiais – afinal, o minizoológico e a lógica de manter animais em cativeiro, expostos à apreciação de visitantes, ficaram no passado, assim como o viveiro, a pista de patinação, o parque infantil e a biblioteca infantil.
Mas o ambiente bucólico que havia, tanto na praça da República quanto no Jardim das Borboletas, persiste. E é Ruy Medeiros quem conclui: “A praça que não perdera a vida, ainda ficou mais nova. E continuou polivalente”.