Ao menos 13 pessoas, incluindo cinco crianças, jantavam na casa da matriarca no momento do crime
O corpo franzino e de estatura baixa, proporcional aos 6 anos, sequer descansou. Integrante da família Almeida Moreira, o garotinho de rosto abatido não dormiu. Repete o que viu e ouviu na noite desta quarta-feira (23), quando assistiu o pai, a avó e o tio serem assassinados a tiros enquanto jantavam, na casa da família, no bairro do Arenoso, região periférica de Salvador.
Testemunha do ataque, o menino é filho do micro empresário Marcos Vinícius Maciel Carvalho, 35 anos, sobrinho e afilhado do autônomo Valdinei Almeida Moreira, 28, e neto da dona de casa Gilmara Almeida Moreira, 45. Atingidos em várias partes do corpo, Gilmara e Valdinei morreram no local. Marcos chegou a ser socorrido por vizinhos até o Hospital Geral Roberto Santos, mas não resistiu aos ferimentos.
Era por volta de 21h. A noite corria tranquila na casa de número 5B, de propriedade da dona de casa, mãe de oito. Sete filhos, cinco netos – entre eles, um bebê de 10 meses -, além de genro e nora jantavam. Encapuzados, os bandidos chegaram e se identificaram como policiais. Falaram pouco: “Não corre ninguém”. Mas o caçula de Marcos, a quem os familiares tratam por Tinho, interrompe a mãe e diz como escapou: “Corri, senão iam me matar”.
Viúva de Marcos, a autônoma Jaqueline Almeida Moreira, 28, complementa o relato do menino: “Eles só falaram isso, mas a gente correu porque senão iam matar a todos nós. Só fiz pegar meu menino”, reitera, ao lembrar que um dos assassinos hesitou. Antes de atirar contra Valdinei, lembra, um dos atiradores pediu que ele largasse um de seus dois filhos, um bebê de 10 meses.
Sem se identificar, a cunhada de Jaqueline comenta que estava no banheiro quando tudo aconteceu. “Não tive ação de sair”, comenta ela, com o neném no colo. Fala à reportagem, em meio às lágrimas, que o filho seria o único poupado. De todas as vítimas, era a única incapaz de fugir.
Sem pistas
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil se limitou a dizer que equipes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) investigam autoria e motivação do triplo assassinato. Na manhã desta quinta-feira (24), ao menos oito policiais estiveram na cena do crime. Em conversa informal com os familiares, reforçaram a importância de as testemunhas prestarem depoimento.
Mas são poucas as pistas e indícios até aqui, constata o irmão de Marcos, o músico Lucas Maciel, 25, ao mostrar os dois estojos de calibre 9mm encontrados pelo chão. “Ninguém conseguiu nem ver quantos eles eram ou como chegaram. Soube por minha mãe e vim ontem mesmo”, explica ele, que saiu da região do Centro Histórico, onde mora com a esposa e o filho, assim que soube do crime.
Lucas acredita que “pode ser que” o irmão seja o alvo do ataque. Quanto à motivação, não titubeia: “Acho que [o atentado] era para ele, sim. Por inveja. Meu irmão era uma cara correria, disposto e sonhador. Isso desperta a inveja das pessoas e eu penso que pode ter sido isso”. Marcos, que havia aberto a loja de roupas Dubai Modas há três meses, a poucos metros de casa, “sempre se deu bem com todo mundo’.
Pai de quatro, o micro empresário dividia o tempo entre a lojinha, os filhos e a esposa, com quem já era casado há 15 anos, quando nasceu a mais velha. A família morava ao lado da mãe de Marcos e Gilmara – era na casa da mãe de Jaqueline que costumavam jantar, sempre que fechava a loja. “Chegaram a abrir a porta da nossa casa, mas a gente já estava na casa de minha mãe”, pontua Jaqueline.
Aviso
Embora não tivesse qualquer briga ou inimigo declarado, houve uma tentativa de avisar sobre “o risco que Marcos corria”. Ao CORREIO, Lucas mostra a mensagem que enviou ao irmão pelo aplicativo WhatsApp, na última segunda-feira (21): “Tem alguém armando contra você, cuidado”. Em resposta, também por meio de mensagem, desta vez no Instagram, Marcos questionou o porquê.
Adepto do Candomblé, o músico mostra o aviso que recebeu de uma das lideranças do terreiro que frequenta. No áudio, ao qual a reportagem também teve acesso, o homem diz que está preocupado com o autônomo porque ele seria vítima de uma “sacanagem”. Mas como Marcos não era ligado à religião, dava pouca credibilidade.
“Você não vai acreditar”, disse a Marcos – que garantiu: “Quem tentar algo contra mim vai se atrapalhar, mas é bom saber sempre”. As lágrimas correm aos olhos do músico. E ele repete que avisou, “mas não conseguiu salvar” o irmão mais velho, em quem se inspirou para se aproximar da música. Diz que o primogênito dos Maciel não tocava qualquer instrumento, mas até banda já montou.
Lucas não sabe se o irmão chegou a correr, como tentou a sogra, que caiu morta na cobertura da casa. Há a possibilidade de ela ter sido a última a ser atingida, considera. “Valdinei e meu irmão eram amigos e compadres, um pode ter tentado intervir pelo outro. Gilmara com certeza foi defender, ela era uma mãezona”.
‘Levaram meu filho’
Faz 17 anos que o auxiliar de serviços gerais Roberto Carlos da Silva Carvalho Maciel, 54 anos, se separou da mãe de Lucas e Marcos. Desde então, por motivos “mais pessoais”, viveu uma relação de idas e vindas com os filhos. Chegou a se mudar para São Paulo a trabalho e, há três anos, desde que retornou à capital baiana, se esforça para estreitar os laços com os filhos do primeiro casamento. “Acabou tudo”. E reforça ainda não haver previsão para os enterros.
À reportagem, diz que não via a ex-mulher desde a separação. Mas se compadece ao relatar que “ela ouviu os tiros que mataram Marcos”. Com o marido atual, já mora na mesma quadra, na Rua 9 de Março, há pelo menos 15 anos. “É tudo muito triste para todos nós, os filhos dele, os irmãos e nós, pais”.
Em prantos, lamenta não mais poder olhar o rosto do primogênito, de quem garante recordar as primeiras palavras. “Eu posso ter muitos defeitos, mas fui um bom pai. Meu filho foi tirado de mim e agora não existe nada, nada”.
Roberto, que atualmente mora com a mulher e os dois filhos mais novos no Engenho Velho da Federação, falou com Marcos pela última vez há uma semana. Entre um lamento e outro, chora. Mas também ri, nos momentos em que detalha as características da personalidade do filho. A vaidade era uma delas. Como um símbolo de despedida, revela que do último encontro veio também o último presente: o relógio vermelho que ostenta no pulso esquerdo.
Fonte: Correio 24 horas