Uma decisão do Tribunal de Justiça da Bahia publicada ontem no Diário Eletrônico negou o pedido de urgência feito pela Prefeitura de Vitória da Conquista para que o Governo do Estado repassasse o recurso de R$ 2 por habitante, enviados pelo Ministério da Saúde, ao município. A ação ainda será analisada pelo plenário, contudo, diante da negativa da Justiça, o recurso continuará sendo administrado pelo Estado.
A ação foi judicializada pela Prefeitura de Vitória da Conquista. Em sua decisão, a desembargadora Joanice Maria Guimarães de Jesus entendeu que “em contra senso com a necessidade premente de utilização de verbas disponíveis, uma vez que os indicadores de saúde atuais preveem a breve disseminação do Covid-19 em todo o Estado da Bahia, com apontamento para um provável colapso da rede pública de saúde em um exíguo espaço de tempo, com o comprometimento de vidas humanas”.
Desde o início, o Governo do Estado alegava que a verba seria utilizada para bancar o aluguel de leitos de UTI do Hospital das Clínicas de Vitória da Conquista, que teria custado cerca de R$ 7 milhões. Decisão que foi tomada no dia 27 de março durante uma reunião com a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que envolve representações dos secretários municipais de saúde da Bahia e do Governo do Estado.
Como resultado, apenas os municípios de Salvador e Feira de Santana decidiram administrar a parte do recurso que lhe caberia. Os demais municípios baianos teriam o dinheiro administrado pelo Governo do Estado, a quem competiria fornecer a estrutura para o enfrentamento do Coronavírus no município.
A decisão da magistrada prevê ainda que o Estado preste contas dos repasses ao município de Vitória da Coquista.
Confira a decisão na íntegra:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Desa. Joanice Maria Guimarães de Jesus Tribunal Pleno
DECISÃO
8005535-09.2020.8.05.0274 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Tribunal De Justiça
Autor: Municipio De Vitoria Da Conquista
Advogado: Nadjara Lima Regis (OAB:1781200A/BA)
Réu: Estado Da Bahia
Decisão:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
Tribunal Pleno
Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8005535-09.2020.8.05.0274
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
AUTOR: MUNICIPIO DE VITORIA DA CONQUISTA
Advogado(s): NADJARA LIMA REGIS (OAB:1781200A/BA)
RÉU: ESTADO DA BAHIA
Advogado(s):
DECISÃO
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer e não Fazer c/c Pedido de Nulidade e Concessão Liminar de Tutela de Urgência
Antecipada proposta pelo Município de Vitória da Conquista em face do Estado da Bahia, em razão de decisão administrativa
decorrente de reunião da Comissão de Intergestores Bipartite, Coordenada pelo Secretário de Saúde do Estado da Bahia,
na utilização de recursos federais destinados ao combate da pandemia pelo Covid-19.
Em suas alegações (Id n.º 6866686), aduziu o Ente Público Municipal que na 275.ª reunião da Comissão de Intergestores
Bipartites, ocorrida em 19 de março de 2020, foi deliberada a distribuição dos recursos financeiros vinculados à Portaria
395/Gm/MS, ora destinados pelo Governo Federal aos estados e municípios para o combate à pandemia pelo Covid-19.
Nesse âmbito, afirmou o município autor que, contrariamente ao quanto previsto normativamente, a comissão decidiu
destinar os recursos às ações de média e alta complexidade para a aquisição de kits de diagnóstico da Covid-19, EPIs e
contratação de serviços e profissionais, para posterior envio aos municípios do Estado.
Ponderou, ainda, que na data de 27 de março de 2020, sem que fosse convocado a participar, ocorreu uma nova reunião da
Comissão de Intergestores Bipartites, dessa vez para deliberar sobre recursos destinados pelo Governo Federal advindos
da Portaria 480, de forma que restou decidido que apenas os Municípios de Feira de Santana e Salvador receberiam
diretamente o repasse da verba financeira federal, nos termos dispostos no decreto presidencial, cabendo aos demais
municípios do estado, tão somente, a destinação de recursos através de contratações de estabelecimentos assistenciais
de saúde para pacientes de Covid 19, aquisição de EPI e de Kits diagnóstico a serem realizadas pelo Governo Estadual.
TJBA – DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO – Nº 2.614 – Disponibilização: terça-feira, 12 de maio de 2020 Cad. 1 / Página 87
Nesta seara, o autor afirma que o Estado da Bahia violou norma contida no art. 2.º, III, da Portaria Ministerial n.º 480, violando
os princípios da igualdade e eficiência administrativa, bem como da proporcionalidade e razoabilidade, sendo injurídica a
decisão adotada na reunião ocorrida no dia 27 de março de 2020, vez que reteve verba que caberia ao Fundo Municipal de
Saúde de Vitoria da Conquista, não beneficiado pelas ações da Portaria n.º 395, editada anteriormente.
Em razão do quanto exposto, o município autor reivindica seja-lhe conferido tratamento igualitário àquele destinado aos
municípios de Salvador e de Feira de Santana, com o recebimento direto da verba financeira, a considerar dois fatores
preponderantes: o primeiro relativo à sua condição de polo regional de oferta de serviços públicos de saúde, pactuado com
74 outros municípios da região e, o segundo, o fato de ser município qualificado pela Secretaria de Estado da Saúde como
“município dispersor do Coronavírus”, de elevada importância para as ações de controle e combate da transmissão do SarsCov-2.
De tal modo, requereu que o Estado da Bahia efetue o repasse ao Fundo Municipal de Saúde do montante mínimo de R$
2,00 (dois reais) e máximo de R$5,00 (cinco reais) per capita, em atendimento ao quanto previsto no art. 2.º, inc. III c/c VI da
Portaria n.º 480, uma vez que a retenção da r. verba possuiria efeito equivalente a um ato de confisco, “penalizando a
população referenciada, e, especialmente, os profissionais e trabalhadores da saúde da rede assistencial de saúde de
Vitória da Conquista”.
Ressaltou, ademais que, em que pese declarações prestadas em veículos de comunicação pelo Secretário de Saúde do
Estado da Bahia de que o Município de Vitória da Conquista decidiu não receber as verbas federais e deixá-las para
utilização pelo Governo Estadual, em momento algum ofertou concordância para que o executivo estadual pudesse gerir
recursos pertencentes ao Município, ainda que com vista a uma futura compensação, e nem mesmo assumido parcialmente a obrigação de execução financeira compartilhada para as contratações de unidades de saúde que prestam serviços de
Média ou Alta Complexidade.
Pontuou, nesse contexto, que o município autor se encontrou impossibilitado de participar das duas reuniões realizadas
pela Comissão de Intergestores Bipartite, seja por haver sido comunicado em exíguo espaço de tempo na primeira ocasião,
seja pela ausência de convocação para participação na segunda reunião ocorrida.
Esclareceu, por fim, que as decisões emanadas do Governo Estadual, através da Comissão de Intergestores Bipartites da
Secretaria de Saúde Estadual, e que trataram da destinação das verbas federais decorrentes das Portarias n.º 395 e n.º 480
do Ministério da Saúde, violaram a regra contida no inc. V, do art. 2.º da Portaria n.º 480, deixando igualmente de atender as
exigências do inc. III do mesmo artigo, sobremodo porque o Município de Vitória da Conquista é referência para o atendimento de mais de duas milhões de pessoas na região, possuindo extenso aporte estrutural na área de saúde, desde instalações físicas à quantidade de profissionais qualificados.
Ainda asseverou que a retenção dos valores a serem repassados das verbas federais, induz o município a possível
ausência de insumos e equipamentos indispensáveis no combate à pandemia.
Requereu, assim, a concessão de tutela antecipada de urgência para que seja determinado que o Estado da Bahia, por
meio da Secretaria Municipal de Saúde e do Fundo Estadual de Saúde, se abstenha, até julgamento de decisão de mérito
deste juízo, de utilizar o montante de até de R$5,00 per capita da população de Vitória da Conquista (IBGE 2018), da verba
federal repassada ao Estado da Bahia e vinculada à Portaria n.º 480/GM/MS, de 23 de março de 2020, nos termos do art. 2.º,
incs. II c/c VI, vez que são expressamente destinadas ao custeio de ações e serviços públicos de saúde, de que são
constitucionalmente competentes os Municípios, e considerando que há fumus boni juris e probabilidade do direito em
razão do critério qualitativo determinado pelo Ministro da Saúde, no art. 2.º, inc. III da Portaria n.º 480.
Pugnou, ademais, para que seja o Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Saúde, determinado a prestar contas, de
modo, transparente do que afirma haver repassado em bens e serviços e contratações ao Município de Vitória da Conquista,
relativos aos recursos vinculados à Portaria n.º 395 e à Portaria n.º 480 do Ministério da Saúde, bem como ainda dar
transparência da análise técnica que justifica a decisão de fechar a Central de Regulação do Município para que todo
paciente grave de Covid 19, residente em Vitória da Conquista ou municípios pactuados, seja deslocado para Salvador, para
fins de tratamento.
Requereu, ainda, que seja determinado que o Secretário de Saúde do Estado se abstenha de tratar na mídia televisiva
assuntos pertinentes a Vitória da Conquista e relacionados com a calamidade pública da pandemia, nos conteúdos que não
tenham sido objeto de comunicação oficial do Secretário de Estado ao Secretário Municipal de Saúde.
Em manifestação prévia, peticionou o Estado da Bahia junto ao Id n.º 6868680.
Após breve relato. Decido.
Nos moldes do inc. II do art. 932 do CPC/2015, incumbe ao Relator “II – apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos
e nos processos de competência originária do tribunal”.
Ao compulsar os autos e documentação coligida à demanda, observa-se a existência de repasses feitos ao Estado da Bahia
de recursos federais para o combate à pandemia pelo Covid-19, realizados através das Portarias n.º 395/2020 e n.º 480/
2020 do Ministério da Saúde, alcançando cada uma das verbas, respectivamente, aportes no montante de R$ 31.045.710,00
e de R$ 44.054.683,77.
Nesse âmbito, e a considerar o atendimento dos critérios exigidos para utilização dos recursos apontados, verifica-se que
o Governo Federal ao editar a primeira e segunda portarias, estabeleceu que a distribuição dos recursos no âmbito
intraestadual ficaria a cargo da Comissão de Intergestores Bipartites – CIB, em cada estado.
TJBA – DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO – Nº 2.614 – Disponibilização: terça-feira, 12 de maio de 2020 Cad. 1 / Página 88
Assim, dentro de uma análise perfunctória do feito, verificando-se que a deliberação dos recursos, no Estado da Bahia, foi
realizada pela Comissão de Intergestores Bipartites – CIB estadual, conclui-se que houve cumprimento do quanto disposto
nas portarias ministeriais retrocitadas, havendo, ademais, a referida comissão, através de reuniões realizadas, editado as
Resoluções Estaduais n.º 029/2020, n.º 030/2020 e n.º 031/2020, com determinação das medidas a serem implementadas.
Nesta via, e em que pese as alegações expendidas na exordial pelo Ente Público Municipal, quanto a sua ausência de
representatividade nas reuniões realizadas pela r. Comissão de Intergestores Bipartites, é de bom olvitre ressaltar que a
composição da referida comissão se encontra disciplinada pelo Decreto Federal n.º 7.508/2011, que dispõe em seus art. 3I,
in verbis:
Art. 31. Nas Comissões Intergestores, os gestores públicos de saúde poderão ser representados pelo Conselho Nacional
de Secretários de Saúde – CONASS, pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – CONASEMS e pelo
Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde – COSEMS.
Nesta circunstância, e em vista da reunião realizada pela Comissão dos Intergestores Bipartites – CIB em 27 de março de
2020, observou-se que conforme documento juntado aos autos (ID n.º 6868690), os entes municipais restaram representados na mencionada reunião pela Presidente do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde – COSEMS, que
conferiu ao ato legalidade e legitimidade. Contrariamente, embora lhe coubesse a comprovação do quanto alegado, o
Município autor não demonstrou a indispensabilidade da sua convocação, ainda que na qualidade de possível membro
integrante da Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde – COSEMS.
Por outro lado, e em vista dos argumentos lançados pelo município autor de que se trataria de medida obrigatória o repasse
de verbas a ser efetuado pelo Governo do Estado, em razão do que dispõe o art. 2.º, inc. III da Portaria n.º 480/2020 do
Ministério da Saúde, não se pode olvidar, com fundamento no poder de cautela que deve viger em tais circunstâncias, que na
fase instrutória da presente demanda é que se formará conjunto probatório bastante, não se vislumbrando, nesse momento, elementos hábeis ao deferimento da pretensão.
Neste interim, ressalte-se que as alegações do Ente Público Municipal não se encontram embasadas em provas constantes dos autos, não se podendo olvidar, ademais, que as portarias ministeriais não mencionam expressamente os requisitos
de enquadramento nos termos citados no art. 2.º, inc. III da Portaria n.º 480/2020, cabendo ao administrador estadual o
julgamento das hipóteses autorizadoras do repasse.
Dentro desta exegese, deferir o pedido liminar de reserva de valores no montante consignado entre R$2,00 (dois) a R$ 5,00
(cinco) reais per capita, até que ocorra o deslinde da presente ação, seria comprometer recurso indispensável no combate
à pandemia do Covid-19 no Estado da Bahia, inclusive no Município de Vitória da Conquista, haja vista o caráter de urgência
que conclama o instante atual, com vista à adoção de medidas preventivas e de tratamento da doença, com necessidade de
ações permanentes e emergenciais, para a diminuição do risco de contaminação, bem como de auxílio e atendimento à
população, do que a escassez de recursos exerce papel decisivo.
É incontesti, portanto, a presença do periculum in mora inverso, estando a reserva de recursos financeiros nos termos
pleiteados em contra senso com a necessidade premente de utilização de verbas disponíveis, uma vez que os indicadores
de saúde atuais preveem a breve disseminação do Covid-19 em todo o Estado da Bahia, com apontamento para um
provável colapso da rede pública de saúde em um exíguo espaço de tempo, com o comprometimento de vidas humanas.
Em outra via, ad cautelam, e em razão da necessidade de posterior instauração da fase instrutória do feito, determino ao
Estado da Bahia, como de praxe, realize a prestação de contas nos termos requeridos na exordial, quanto ao repasse em
bens e serviços e contratações ao Município de Vitória da Conquista, relativos aos recursos vinculados à Portaria n.º 395/
2020 e à Portaria n.º 480/2020 do Ministério da Saúde.
Desta forma, não verificados elementos que evidenciem a concessão da medida, NEGO A TUTELA DE URGÊNCIA
ANTECIPATÓRIA.
Intime-se o Estado da Bahia acerca da presente decisão, procedendo-se, simultaneamente à citação para, querendo,
apresentar a contestação, no prazo de 30 (trinta) dias.
Confiro à presente decisão força de mandado/ofício.
Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.
Salvador/BA, 11 de maio de 2020.
Desa. Joanice Maria Guimarães de Jesus