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Movimento negro divulga manifesto em defesa das cotas raciais na OAB de Vitória da Conquista

O movimento negro de Vitória da Conquista emitiu um manifesto sobre uma suposta postagem racista em um grupo de Facebook, voltado para a advocacia Conquistense. O documento também põe em dúvida se uma das chapas concorrentes à eleição da OAB cumpriu o critério legal referente às cotas raciais que devem ser atendidas na composição da chapa.

Confira o manifesto na íntegra:

MANIFESTO EM DEFESA DAS COTAS RACIAIS NA OAB DE VITÓRIA DA CONQUISTA

O que se espera de uma das entidades mais respeitadas e consolidadas do país é o protagonismo social, sobretudo no combate sistemático ao cerceamento de voz e visibilidade de nossas populações afro-brasileiras vulnerabilizadas e subalternizadas, buscando corrigir distorções históricas perpetuadas em detrimento de segmentos numerosos da nossa população.
Foi assim que a OAB, zelando por um dos seus maiores postulados, qual seja, a defesa da democracia e da dignidade da pessoa humana, fixou norma exigindo o preenchimento de cotas raciais em 30%, até porque seria um contrassenso empunhar a defesa dessa pauta e não observar tal critério no seio da sua composição.
A ausência de voz de populações afro-brasileiras ocupando posições diretivas nas estruturas de poder no Brasil refletem distorções culturais históricas. As cotas como políticas públicas de reparação vêm corrigindo pouco a pouco essas discrepâncias, mormente porque devemos observar o critério proporcional, uma vez que, na advocacia do nosso Estado, certamente as populações afrodescendentes (os pretos e pardos, somos contra essa definição do IBGE) são muito mais que 30%, assim como as mulheres há muito já superam mais que a metade dos integrantes dessa digna instituição, portanto nada mais justo que observar tais proporcionalidades como critérios de elegibilidade.
Aqui na nossa cidade ficamos sabendo que um debate em torno desse tema se instalou em um fórum da advocacia no Facebook, onde uma advogada afrodescendente indagou das chapas concorrentes quais seriam os dois integrantes que estariam preenchendo tal requisito legal em cada uma delas. A chapa comandada pela advogada Luciana Silva se manifestou apresentando seus componentes, contudo a outra silenciou, sendo que uma das apoiadoras desta assim se posicionou:
“Na nossa chapa tb temos negros e tem de ter pois está regulamentado, (…) Uma coisa é certa, como mulher e negra JAMAIS aceitaria leiloar a minha cor para apenas ocupar uma vaga na chapa. Na nossa chapa não teve leilão de cor, ao contrário, todos os candidatos estão candidatos por mérito e não por cor de pele”. Abreviamos com grifos ausentes do original.
Devemos então analisar separadamente a omissão na resposta de uma das chapas e o posicionamento acima.
A omissão revela um aspecto condenável, consubstanciado no desdém dado a esta pauta tão importante, como se a discussão não interessasse ao público, principalmente formado por tão nobres profissionais. A omissão da chapa parece também denotar uma outra questão de igual ou maior relevância consistente na publicização do critério de autodeterminação e no real cumprimento das cotas.
Por outro lado, a manifestação acima transcrita revela, em última análise, um posicionamento que remete, ainda que a contrario sensu, aos tempos da escravidão por sugerir uma relação da nossa cor como algo que pode ser vendido, ou pior ainda, leiloado.
As entidades presentes neste manifesto lamentam e divergem do infeliz comentário daquela advogada que leva a discussão a partir de leiloamento (venda pública de objetos em que os arremata quem oferece maior lance) como critério de composição da chapa concorrente.
Isso nos remete a objetificação-coisificação que caracteriza desapossamento da autodeterminação de pessoas negras transformadas em homens-objetos, homens-mercadorias e homens-moedas, conceitualmente atribuído pelo pensador camaronês Achille Mbembe.
O comentário reproduz o racismo estrutural da sociedade burguesa escravagista que tenta criminalizar a chapa encabeçada pela advogada Luciana Silva, ao promover a mudança violenta de corpos e subjetividades em reciprocidade com o princípio ordenador do capitalismo que recrudesce o paradigma da submissão, um modal de exploração e depredação. Ainda sobre a objetificação arrazoada pelo suposto leilão, compreende-se que os papéis dos não-brancos no mundo é uma posição subalternizada de classe, atribuída pela condição de raça na dinâmica do capitalismo.
De vis-à-vis, observa-se que a narrativa é perpassada pelo racismo estrutural que visa despolitizar para desqualificar os membros da chapa em questão, confinando-os a uma condição deplorável de “vendidos “uma barganha para ocupar a composição diretiva na chapa, menoscabando a reputação dos afrodescendentes que jamais claudicariam para adequarem-se a tal condição desapossamento da autodeterminação.
Um remake de falsas representações da pertença étnico-racial afrodescendente relegada a margem do corpo diretivo. A casa grande incidindo sobre àquelas pessoas que, segundo escravagistas “nada têm a oferecer” senão animalizar-se e ceder docilmente a imoralidade da barganha para existir, como faziam os capitães do mato, tratados como animais de caça esganiçados e atiçados para morder “negros fujões”.
Essa discussão não pode se limitar no âmbito das eleições da OAB, mas precisa ser amplamente discutida socialmente, porquanto exemplo a seguir seguido, sempre com pensamento na valorização da população afrodescendente que tanto contribuiu para o nosso país, mas, mais do que isso, como forma de corrigir um erro histórico que parece querer se consolidar, notadamente em um fórum de formadores de opinião, e é por isso que os movimentos não podem se calar.
Já dizia o mestre Ruy Barbosa, “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade… Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.
Djamila ao utilizar o conceito de “lugar de fala” propõe o “deslocamento do pensamento hegemônico e a ressignificação das identidades (raça, gênero e classe) para que se pudesse construir novos lugares de fala com objetivo de possibilitar voz e visibilidade a sujeitos que forma considerados implícitos dentro dessa normatização hegemônica” (RIBEIRO, 2017).
É preciso ampliar o debate e levar as eleições da OAB de Vitória da Conquista para a sociedade identificar se os concorrentes de ambas as chapas estão mesmo dentro deste critério e como uma classe deveras importante pode ver uma omissão ou uma eventual fraude de inscrição em um pleito tão significativo para nossa cidade e região. Afinal só a chapa da advogada Luciana Silva indicou quem são os negros que a compõem, até o momento a outra permanece silente.
O presente manifesto subscrito pelas entidades abaixo relacionadas tem por finalidade defender a aplicação ipsis litteris das diretrizes da política nacional de COTAS – uma conquista do Movimento Negro brasileiro – com a finalidade de alcançar a reparação social às populações afrodescendentes criminalizadas, violentadas e invisibilizadas pelo verdugo supremacista do sistema escravagista.
Diante do exposto, reafirmamos nosso apoio irrestrito ao uso da política de cotas etnico-raciais para composição da OAB de Vitória da Conquista, ao mesmo tempo, em que repudiamos peremptoriamente a prática de quaisquer manobras que silencie e invisibilize afrodescendentes, relegando-as a papeis menores que tangencia a composição diretiva de quaisquer instituições representativas, sobretudo da OAB.

Vitória da Conquista, 18 de novembro de 2021.

Subscrevem essa manifestação:
01 – Agentes de Pastorais Negros e Negras do Brasil – APNS;
02 – UNEGRO;
03 – Caminhos dos buzios;
04 – Sindicatos dos Bancários de Vitória da Conquista e região;
05 – Coletivo Obaeleko.


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