Artigo
O audiovisual brasileiro é muito mais do que uma potência industrial. É um patrimônio vivo, um instrumento de expressão nacional e um pilar da nossa economia criativa. Nos últimos anos, os serviços de Vídeo on Demand (VOD) oferecidos pelas plataformas de streaming transformaram e ampliaram a forma como consumimos conteúdo, abrindo novas possibilidades, mas também evidenciando desafios que devemos enfrentar com responsabilidade e visão de futuro.
A nossa gestão no Ministério da Cultura reconhece essa realidade e está comprometida em construir, em harmonia com todos os setores, uma Lei do Streaming que proteja a produção audiovisual nacional, valorize a diversidade cultural e assegure um desenvolvimento justo e equilibrado para quem faz e para quem consome cultura no Brasil. O objetivo é estabelecer um marco regulatório que fortaleça a riqueza das nossas histórias e promova oportunidades de crescimento para a indústria do audiovisual brasileiro, especialmente a produção independente, que é o coração das políticas públicas do setor.
Mais do que um simples ajuste econômico, este é um passo decisivo de soberania cultural. No Brasil, as salas de cinema, as emissoras de televisão e até as operadoras de telecomunicações já contribuem para o desenvolvimento do setor por meio da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), estabelecida pela Medida Provisória 2.228-1/2001. Esses recursos alimentam o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que financia produções nacionais de diferentes escalas e promove avanços importantes ao longo dos anos. Porém, as plataformas de streaming e outros serviços em ambiente digital ainda não fazem essa contribuição essencial.
É fundamental enfatizar que essa discussão não é de agora. O Brasil vinha avançando em direção a uma regulação mais equitativa do setor, mas houve um período de desconstrução e estagnação que interrompeu processos já bem encaminhados. Nossa gestão, portanto, retoma e fortalece um debate que já deveria ter sido resolvido, se não fosse o desmonte do arcabouço cultural ocorrido em anos anteriores.
A falta de recolhimento de recursos e da devida proteção aos direitos dos criadores geram perdas de ativos que poderiam ser reinvestidos na indústria independente brasileira e, consequentemente, afeta a soberania cultural do país. Diversos países já regulamentaram ou estão regulamentando suas plataformas, demonstrando que essa discussão é global.
Estender a Condecine para o streaming significa garantir direitos autorais, proteger a propriedade intelectual de nossos criadores e resguardar a soberania nacional. É assegurar que histórias, sotaques e ritmos brasileiros continuem a ser contados por quem vive e conhece nossa realidade e para o povo do país que é um dos maiores consumidores de streaming do mundo. Queremos e devemos assegurar recursos para o investimento direto em obras brasileiras independentes, incentivando criatividade, inovação e pluralidade de olhares em nosso território, ao mesmo tempo em que geramos emprego e renda.
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Lei (PLs) voltados para regulamentar o vídeo sob demanda. Desde o começo da nossa gestão, retomamos diversas políticas culturais que estavam paradas ou haviam sido desmontadas, e estamos muito além das condições em que encontramos o Ministério da Cultura. Já avançamos em políticas estruturantes para todas as áreas do setor cultural, inclusive o audiovisual.
Na pauta do VoD, vivemos um momento histórico: avançamos no diálogo e temos maior atenção voltada a encontrar um ponto de convergência para aprovar uma lei que realmente fortaleça o setor. O sucesso do filme “Ainda Estou Aqui” e a volta dos investimentos na área ilustram o potencial e abrem uma janela de oportunidades para novas conquistas.
O diálogo é o caminho. Estamos em escuta aberta com produtores, plataformas, parlamentares e especialistas, num processo pautado pela transparência, conduzido por mim, pela Secretaria-Executiva, com Márcio Tavares, pela Secretaria do Audiovisual, com Joelma Gonzaga, e com a participação da Agência Nacional do Cinema (Ancine), sempre em articulação com outros Ministérios e o próprio setor audiovisual.
Queremos avançar e estamos trabalhando para isso. Os pontos centrais da proposta são claros: proteção aos direitos autorais dos criadores brasileiros, mecanismos de visibilidade para o conteúdo nacional, investimentos diretos na produção independente e um equilíbrio para que todas as janelas de exibição contribuam de maneira justa.
Normatizar as plataformas de streaming, incorporando-as ao ecossistema da Condecine, significa ampliar a capacidade de investimento em toda a cadeia do audiovisual brasileiro. Cada nova contribuição fortalece o FSA possibilitando que nossos diretores, roteiristas, técnicos e artistas tenham a devida participação nos resultados de suas obras e fomentando nossa indústria independente. É igualmente fundamental reforçar a defesa da propriedade intelectual dos artistas e produtores, assegurando que eles participem de forma justa dos resultados gerados pelas obras e permaneçam no controle de suas criações.
Todas as ações, discussões e contribuições são bem-vindas para a qualificação dessa Lei. O MinC está fazendo seu papel ao trazer todos para o diálogo: os parlamentares envolvidos, o setor e agentes do audiovisual, e as próprias plataformas. Precisamos encontrar um ponto de união para iniciarmos esse processo de maneira sólida. Não existe regulação sem articulação e negociação, nem sem uma régua de ajustes ao longo do tempo.
A Lei do Streaming vai muito além de qualquer regulação econômica. É um ato de afirmação cultural e de reconhecimento da importância estratégica do audiovisual na construção e projeção da identidade brasileira. É um investimento no nosso futuro e na capacidade de contar nossas histórias com autonomia, mostrando ao mundo a força criativa de um Brasil plural.
Margareth Menezes
Ministra da Cultura do Brasil