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Ilhas de Paz: conheça as cidades baianas sem homicídios há mais de um ano

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Licinio de Almeida

Conhecida pela produção de cachaça, a cidade de Abaíra, na Chapada Diamantina, desponta agora como “recanto de paz”: desde 4 de janeiro de 2014 (mais de 5 anos) não há registro de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio (matar para roubar) –, os chamados Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs).

Além de Abaíra, outras cidades baianas se destacam pelo tempo sem registro de CVLIs: Dom Macedo Costa, Lagoa Real, Licínio de Almeida, Maetinga, Rio do Antônio, Rio Real, Botuporã, Catolândia, Sebastião Laranjeiras, Cravolândia e Presidente Jânio Quadros. A população delas, somadas, é de 114.349 pessoas, o que corresponde a 0,7% dos habitantes da Bahia, de 14.812.617. A maior delas é Lagoa Real, com 15.555 moradores e a menor Catolândia, com 3.555.

Cidade de quase 9 mil habitantes, Abaíra é a que mais tempo está sem ocorrência desses tipos de crime, entre as 24 que compõem a Chapada. O último homicídio em Abaíra foi de um homem que morava na zona rural e batia na esposa. Ele acabou morto pelo sogro, cansado de ver a filha apanhar.

Comandante do policiamento na Chapada Diamantina, o coronel PM Valter Araújo, que fica baseado em Itaberaba, disse o homem que foi morto era de outro estado, mas não se recorda qual. “Ninguém nem veio buscar o corpo dele. Depois de um tempo acabou sendo enterrado”, afirmou.

De 2014 para cá, Abaíra tem registrado poucas ocorrências. Ano passado, por exemplo, houve apenas uma prisão por uso/porte de drogas. Entre 2014 e 2017 ocorreram uma tentativa de homicídio, quatro estupros, 12 furtos de veículos e dois roubos também de automóveis, segundo a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP).

Na opinião do coronel Valter Araújo, o que faz a cidade ter baixos índices de criminalidade é o trabalho que vem sendo feito na base da sociedade, com crianças e adolescentes, para evitar situações de crimes.

“Por isso, temos 14 cidades sob o meu comando que estão há mais de um ano sem homicídios e, fora da Chapada, ainda temos outras 31, entre as quais Abaíra também é destaque”, afirmou o coronel.

“Isso é fruto das operações que fazemos, seja na zona urbana ou rural, em áreas sem policiamento fixo, nas escolas”, disse, informando em seguida que o trabalho de prevenção às drogas é realizado em escolas públicas e privadas: “Ano passado atendemos mais de 5 mil crianças e jovens e esse ano nossa meta são 8 mil”.

Festival da cachaça
Em Abaíra, empresários têm elogiado o trabalho da PM, mas destacam a necessidade de estar sempre em alerta, “mesmo quando tudo parece tranquilo”, como disse Junael Alves de Oliveira, 61, presidente da Cooapama, cooperativa responsável pela realização do Festival da Cachaça, em parceria com a Prefeitura.

“Ainda bem que estamos o tempo todo sem homicídios em Abaíra, mas não podemos descuidar. Na cidade vizinha, em Jussiape, tão pacata quanto Abaíra, já teve um crime de cinema que deixou a cidade marcada para sempre”, disse o empresário, em referência ao triplo homicídio ocorrido em 24 de novembro de 2012.

Na ocasião, o caçador Claudionor Galvão de Oliveira, 43, matou por vingança, após sofrer “bullying político”, logo depois das eleições. As vítimas foram o prefeito Procópio de Alencar, 75, a primeira dama Jandira, 71, e o gerente local da Embasa, Oderlange Novaes, 46, todos mortos com tiros de espingarda à queima roupa. Pouco depois, Claudionor foi morto pela PM.

Precisa de arma?
Dono de uma casa de material de construção em Abaíra, o empresário Aquilino de Souza Pina, 68, disse que “a cidade está muito calma, graças ao trabalho da PM, sempre presente”.

Apesar disso, afirmou que pretende comprar uma arma pra deixar em seu estabelecimento, depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto, facilitando o acesso à posse de arma no Brasil. “Não podemos facilitar com a bandidagem”, disse.

Dono de farmácia, Moisés Araújo Lima Junior, 52, não pensa em ter arma. Para ele, o trabalho da PM e as câmeras de segurança que usa no estabelecimento já são suficientes.

“Ficamos até tarde, às vezes até umas 22h, e vemos a polícia fazendo ronda, então isso nos dá tranquilidade”, comentou.

Sem homicídios há 20 anos
Em Dom Macedo Costa, cidade de 4 mil habitantes no Recôncavo da Bahia, o último homicídio ocorreu em 1998, quando um homem de prenome Agenor morreu a golpes de pau e pedra. Na época, o coveiro Gilvando Costa da Cruz, 30, era uma criança. De acordo com ele, a maioria das mortes da cidade é de causa natural.

“De vez em quando aparece alguém aqui que morreu de doença, que nem uma moça que enterramos há uns 15 dias, e um homem que faleceu ontem [quarta-feira, 23]. A maioria dos enterros são de idosos”, disse o coveiro, que passa a maior parte do tempo no Cemitério Municipal realizando serviços de limpeza.

Coveiro de Dom Macedo Costa fala que maioria das mortes é por velhice ou doença (Foto: Reprodução)

Além do homicídio registrado há 21 anos, outro crime grave ocorreu em 2006, na zona rural: um caminhoneiro foi vítima de latrocínio – roubo seguido de morte. Entre 2014 e 2018, Dom Macedo registrou cinco tentativas de homicídios, nove estupros, oito prisões por porte/uso de drogas e dez roubos/furtos de veículos.

A cidade, que possui uma rua com transversais e tem movimento anormal somente na cavalgada de 21 de abril (feriado de Tiradentes) e no São João, é considerada tranquila pelo escrivão da delegacia local, Osório Pereira Oliveira, 43.

“Quando tem algum problema aqui, é com gente de fora, na maioria dos casos. Sempre aparece algo, apesar da tranquilidade, mas é coisa pequena”, disse.

Em Lagoa Real, a atendente de caixa de supermercado Pauliana Rocha, 30, disse que o último fato grave do qual se lembra foi há seis meses, quando bandidos invadiram uma loja de roupas, “mas não teve grande prejuízo”. “Na mesma época, uma mulher tentou roubar minha carteira aqui no mercado. Ela foi presa em flagrante”, disse.

O CORREIO tentou contato com a delegacia de Lagoa Real durante dois dias, mas ninguém atendeu às ligações. O último homicídio na cidade ocorreu em 10 de março de 2011, durante um assalto a banco, quando o vigilante Hermínio Duca Costa, 33, foi morto pelos ladrões.

“Depois disso, não teve nada de assustador. A cidade está tranquila, são poucas pessoas que usam câmeras de segurança em suas casas ou estabelecimentos, bem como cercas elétricas. E quando tem casos de crimes, a maioria é de gente que vem de fora”, declarou Pauliana Rocha.

Gerente de uma loja de roupas em Licínio de Almeida, Roberta David Souza, 29, também diz viver tranquila na cidade onde nasceu, mas está preocupada com o uso de drogas por parte de alguns jovens. “Percebe-se o comentário na cidade sobre esse aumento. Isso é algo que não deve ocorrer porque, senão, já viu”, disse.

O município baiano de Licínio de Almeida, segundo dados da SSP, de janeiro a setembro deste ano teve três estupros, dois furtos/roubos e um registro por porte/uso de drogas. Ano passado foi um pouco mais violento: uma tentativa de homicídio, dois estupros, um furto/roubo e três prisões por porte/uso de drogas.

“Um dos casos de roubo foi na casa do meu pai. Levaram mais de 70 galinhas dele. Parece pouco, mas quando soma tudo fica um prejuízo grande. Ele parou de criar galinhas por conta desses roubos. E não chegou a prender ninguém. Eu acho que esses casos de crime na cidade são por causa da droga”, afirmou.

Preocupação e prevenção
Sobre o possível aumento do uso de drogas em Licínio de Almeida, o Departamento de Polícia do Interior (Depin) diz que vem buscando combater o problema, através de programas sociais em parceria com a Polícia Militar, tanto no próprio município quanto em outras cidades sem homicídios há anos.

“Todas essas cidades possuem como característica comum o fato de terem uma vida tradicional, com famílias, e onde o tráfico de drogas ainda não criou raízes, a ponto de haver disputas por pontos de vendas ou crimes de homicídios relacionados ao uso”, disse o diretor-adjunto do Depin Flávio Gois.

Nos municípios onde “reina a paz”, as ocorrências policiais mais comuns são de estupros, furtos/roubos e detenção por uso/posse de drogas. “São todos casos pontuais, que buscamos combater sempre, e conseguimos evitar muitos deles, com a atuação de forma preventiva, em parceria com a Polícia Militar”, comentou Gois.

Sem muitas ocorrências para investigar, a polícia diz que tem atuado nessas cidades com projetos sociais voltados para crianças e adolescentes, sobretudo relacionados à prevenção com relação ao uso de drogas. Membros das polícias Civil e Militar dão palestras em escolas públicas e particulares sobre o assunto.

“Vários programas estão nessas cidades, como o Pacto Pela Vida, o Ronda Maria da Penha e o Ronda das Escolas. As polícias falam também sobre o respeito do homem com a mulher, para com o filho, e tudo isso faz com que os patamares baixos de homicídios continuem a ficar onde estão”, disse Gois.

Para 2019, o Depin, segundo Gois, planeja visitar as coordenadorias da Polícia Civil para que haja maior interação entre os policiais e outros servidores. “A meta é avançar para que mais cidades fiquem sem homicídios até o final do ano. É um trabalho duro, cujo resultado, a depender de nós, será alcançado”, afirmou.

O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), tem opinião parecida para manter a “paz” nessas cidades, mas ele destaca o fato de haver poucos grupos de traficantes atuando nesses locais.

“Com relação ao tráfico, a falta de homicídios não quer dizer que ele não esteja ocorrendo e sim que, se estiver, é realizado por um grupo só de criminosos e não há disputa. Onde não há disputa, não há crimes por pontos de venda”, explicou.

“Um exemplo que temos é São Paulo, onde o número de homicídios caiu consideravelmente em algumas cidades depois que a facção PCC [Primeiro Comando da Capital] dominou tudo. Temos cidades aqui com 30 mil habitantes que estão há anos sem um homicídio também”.

O pesquisador está preocupado com o decreto presidencial que facilita a posse de armas, o que pode colaborar para que uma briga entre vizinhos ou parentes termine em tragédia em cidades pequenas.

“O fato de ter uma arma em casa é algo que nos trás grande preocupação. Quando teve a Lei do Estatuto do Desarmamento, em 2003, muita arma foi recolhida de casa. Na época, vimos que os crimes de homicídios não relacionados a tráfico reduziu muito. Esperamos que isso não volte a ocorrer”, declarou.

Cidades são vulneráveis a ataques de ladrões de banco
Apesar de estarem há anos sem registros de crimes violentos contra a vida, as cidades de Dom Macedo Costa, Lagoa Real, Abaíra, Licínio de Almeida, Rio do Pires, Botuporã, Catolândia, Sebastião Laranjeiras, Cravolândia e Presidente Jânio Quadros sofreram nos últimos anos com quadrilhas especializadas em ataque a agência bancárias.

As cidades, por serem pequenas, se tornam alvos fáceis pelo fato de terem poucos policiais (de quatro a dez por plantão), e com armas menos potentes que a dos bandidos, que costumam usar fuzis e metralhadoras, além de explosivos para abrir o cofre dos bancos.

O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), observa que não é objetivo dos bandidos, nessas ações, cometer homicídios. “Isso só ocorre se algo sair do controle, eles só querem levar a grana, por isso um baixo índice de homicídios nesses casos”, declarou.

Em Abaíra, o problema ocorreu em 1º de agosto de 2016, quando bandidos explodiram um caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil, que desde então permanece fechada – de lá pra cá, os moradores da cidade recorrem a correspondentes bancários que operam com limitações.

Na ação, eles dispararam contra a delegacia, cuja parede ficou com as marcas de tiros. “Todo mundo ficou assustado na cidade”, disse o escrivão da delegacia Amarinaldo Espírito Santo, 60, que de 1988 a 2001 atuou como delegado da cidade de 9 mil habitantes. Hoje ele é funcionário público municipal cedido à polícia.

“Depois desse caso do banco não teve mais nada grave”, ele disse, informando, em seguida, que o Festival da Cachaça, realizado em setembro e que atrai cerca de 2 mil pessoas por noite, nos três dias de evento, “ao contrário do que se pode pensar, é um local de fazer amizade e não ter briga”.

“Sempre tem uns que brigam lá mesmo, mas é briga de bêbado, não chega a ser grave, resolver no evento mesmo”, disse, aos risos. “E se fosse pra ficar preso, nem poderia porque as duas celas aqui da delegacia não valem nada, tinham de ser mandados pra Seabra. Aqui nem delegado titular tem”, completou, rindo mais ainda.

Em 2015, os ataques ocorreram em Cravolândia, Rio do Pires, Catolândia e Sebastião Laranjeiras, onde bandidos explodiram a agência do Banco do Brasil. O barulho provocado pela explosão foi ouvido em quase toda cidade, deixando todos assustados.

Cravolândia foi alvo dos bandidos em 13 de setembro de 2015, mas, no momento da ação, quando ocorreu a explosão ao posto de autoatendimento do Banco Bradesco, os bandidos foram surpreendidos pela polícia e trocaram tiros, fugindo por uma estrada vicinal.

A mesma sorte não teve uma agência Bradesco de Catolândia, que foi explodida em 31 de junho de 2015. Os bandidos, no entanto, não conseguiram levar nada, já que tudo queimado por conta da explosão.

Em Rio do Pires, a ação criminosa ocorreu em 5 de novembro de 2015: a agência do Banco do Brasil foi explodida e o dinheiro levado. Dom Macedo Costa e Botuporã tiveram suas agências bancárias do Bradesco e do Banco do Brasil, respectivamente, atacadas, em 2014. Ambas foram explodidas.

Dessas ações, a mais grave ocorreu em 2011, em Lagoa Real. O vigilante morto pelos bandidos durante o ataque ao Banco do Brasil, Hermínio Duca Costa, era primo do então prefeito José Carlos Trindade Duca. Os bandidos estavam de motocicleta e fugiram com malotes de dinheiro.

Naquele mesmo ano, quatro homens explodiram a agência do Bradesco de Licínio de Almeida, mas fugiram sem conseguir levar nada. Azar maior tiveram os cinco bandidos que tentaram roubar uma agência do Banco do Brasil de Presidente Jânio Quadros: todos foram mortos durante troca de tiros com a polícia.

Correio


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