Blog do Sena – Vitória da Conquista- Bahia

Greissy Reis: “Nós temos um governo municipal que oprime a classe trabalhadora de diversas formas”

Professora da rede municipal de ensino há 16 anos, Greissy Leôncio Reis é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Além disso, é mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). A educação sempre esteve presente em sua vida, seja por meio da mãe, professora, ou do pai, que atuou na secretaria de uma escola. Quando chegou à vida adulta, seguir o caminho da docência foi algo familiar e natural.

O seu currículo profissional também inclui a graduação em Direito. Segundo ela, se tornar advogada foi um sonho que conseguiu realizar. Uma junção das duas formações a levou para os lugares que ocupou e vem ocupando na sua trajetória. Na Secretaria Municipal de Educação (SMED), entre 2017 e 2020, esteve à frente da coordenação do Núcleo de Diversidade, onde atuou diretamente com as questões que atravessam a educação quilombola e as relações étnico-raciais.

“Sempre me preocupei com as pautas das minorias sociais, com as questões étnicas, e estava sempre participando das assembleias. A primeira coisa que fiz quando me tornei professora foi me filiar ao sindicato”, explica Greissy. De acordo com a docente, o que a mobiliza todos os dias é a luta coletiva da classe trabalhadora, e foi justamente essa consciência política que a motivou a atuar no Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (Simmp).

Eleita para a gestão 2024-2026, ocupa a função de presidente do Simmp, ao lado da sua vice, Eliane Nascimento. Em entrevista ao Conquista Repórter, Greissy falou sobre o sucateamento da educação municipal, as perdas salariais dos professores de Vitória da Conquista e a dificuldade de efetivação do ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas brasileiras. Confira a seguir:

CR: Enquanto presidente do sindicato que representa os professores municipais de Vitória da Conquista, como você avalia a gestão da educação pública na cidade? Quais têm sido as principais dificuldades enfrentadas pela categoria nos últimos anos?

Greissy Reis: Nós temos enfrentado um governo que não dialoga, que age para a retirada de direitos e para o desmonte do serviço público. É um governo de extrema direita que oprime a classe trabalhadora de diversas formas. É uma gestão que não respeita o lugar que o sindicato ocupa dentro da sociedade, não respeita a obrigatoriedade da negociação coletiva. Este ano, por exemplo, uma lei que reajustava os salários dos professores foi encaminhada para votação na Câmara sem negociação com o sindicato. Nós havíamos realizado apenas uma reunião sobre o assunto. Isso demonstra que estamos tratando com um governo que não vê a classe trabalhadora com o devido respeito e cuidado. Diante disso, nós temos enfrentado diversas dificuldades nos diferentes setores da educação. Aqui estou falando da perspectiva do exercício da profissão docente. Por exemplo, temos o descumprimento das Atividades Complementares (ACs). Um terço da carga horária do professor deve ser destinada a atividades complementares, que se referem a planejamento, correção de provas, estudo, e aperfeiçoamento profissional. Esse direito está previsto na Lei 11.738 e no Estatuto do Magistério (Lei 1.762/2011), mas o governo desconsidera isso. Isso é algo que está causando muito transtorno para os docentes, muita insatisfação e sentimento de injustiça. Além disso, a gente vê o achatamento da nossa tabela salarial e a retirada de percentuais. De 2018 até 2024, nós perdemos mais de 10 pontos percentuais no nosso plano de carreira, entre gratificações e incentivos. São perdas significativas que se acumulam ao longo dos anos. Nós temos problemas também com relação ao transporte escolar, que é inadequado, superlotado e sucateado. Há ainda a questão da merenda escolar. Desde que esse governo assumiu, houve uma queda muito significativa na qualidade e na quantidade da comida. Antes havia uma quantidade suficiente e existiam kits, por exemplo, para a realização de momentos especiais, como festa junina ou dia das mães. Hoje a gente não observa esse tipo de coisa. O kit vem com itens faltando e, muita vezes, a escola acaba improvisando como é possível, o que compromete a qualidade nutricional daquelas refeições.

No primeiro semestre de 2024, o Simmp protestou contra o reajuste salarial dos professores proposto pelo governo municipal sem diálogo com a categoria. Foto: Conquista Repórter.

CR: A Secretaria Municipal de Educação vem implementando na rede de Vitória da Conquista o ensino em tempo integral. No ano passado, foi inaugurada a primeira escola a funcionar nessa modalidade na zona rural, no povoado de Campo Formoso. Como o Simmp avalia esse novo modelo?

Greissy Reis: Essa é uma questão que tem nos preocupado muito. O município aprovou um projeto para a implementação de escolas em tempo integral sem a participação do sindicato. Isso é grave. A Secretaria Municipal de Educação não é uma instituição privada, é uma entidade que gerencia uma educação pública. Por isso, deve ser regida pelo princípio da participação coletiva e democrática. O sindicato que representa os professores precisa participar de todas as decisões. Por quê? Porque esse projeto vai impactar diretamente no trabalho do professor e da professora. Não há uma preparação das escolas de Vitória da Conquista para a implementação dessa modalidade. Nós observamos que está tudo sendo feito de forma improvisada. As escolas não têm estrutura adequada para funcionar em tempo integral. Muitos colégios não possuem refeitórios com o tamanho necessário para receber uma grande quantidade de alunos. Se a criança vai ficar na escola em tempo integral, é preciso oferecer a ela uma diversidade de atividades, senão aquele vai se tornar um ambiente estressante. Além disso, é necessário ter equipe suficiente para atuar durante todo esse período de tempo.

CR: No ano passado, completou-se 20 anos da Lei 10.639, que tornou obrigatório, no Brasil, o ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. O que você observa em relação a aplicação dessa diretriz na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista? 

Greissy Reis: Eu observo que a implementação da educação étnico-racial de modo geral, no Brasil, tem sido bem desafiadora. Infelizmente, a gente não vê a efetividade dessa lei, embora o seu cumprimento seja obrigatório. Isso é triste. Vitória da Conquista é uma das cidades baianas que mais abarca comunidades remanescentes de quilombos, e não temos atualmente uma política séria de trabalho pedagógico relacionada às questões étnico-raciais. Nós temos uma disciplina no currículo, que é chamada de “História e Cultura Afro-Brasileira”, mas é uma matéria optativa. Se a gente tem uma lei que obriga as escolas a trabalhar a História e Cultura Afro-Brasileira, por que a disciplina é optativa? Já temos aí uma falha, na minha opinião. Outro fato importante é que, em 2017, houve a reabertura, dentro da Secretaria Municipal de Educação, de uma coordenação pedagógica responsável por trabalhar as questões étnico-raciais. Na época, eu até participei do grupo e estive à frente dessa pasta. Houve um trabalho sistematizado durante aquele ano. Eu criei o projeto “Trançando Africanidades”, que era desenvolvido durante um semestre letivo em todas as escolas e níveis da educação. Era uma formação feita com professores e alunos. Em 2020, eu saí do núcleo e, desde então, esse trabalho deixou de existir. Não acontece mais essa discussão na rede municipal de ensino. Naquela época, começaram as movimentações para o fechamento de escolas quilombolas. Eu fui contra essa decisão e, inclusive, esse foi um dos motivos que me fez deixar aquela função. Apresentei algumas alternativas para que isso não acontecesse. Como a justificativa para a desativação das escolas era o quantitativo muito pequeno de alunos em cada unidade, uma das minhas propostas foi a construção de polos educacionais dentro das comunidades quilombolas. Dessa forma, a gente evitaria que as crianças tivessem que sair dos quilombos. Mas nenhum tipo de proposta foi aceita. Eu percebi que não era dada a devida importância aquela questão, então acabei me afastando do núcleo. Os fechamentos das escolas não deveriam ter acontecido sem o aval das comunidades. Foi tudo feito de forma arbitrária e contrária ao que a gente entende como gestão democrática. É um prejuízo porque a escola é uma referência dentro de uma comunidade, não só para as crianças, mas para todas as pessoas que vivem ali. É um espaço que perpetua um saber ancestral. Quando você tira isso, você diz para a comunidade que ela não é importante. Uma comunidade quilombola precisa ser atendida por políticas específicas, e se você negligencia isso, é um reflexo do racismo estrutural e institucional.

A Escola Juvêncio Rocha, no quilombo de Cachoeira dos Porcos, foi desativada no ano de 2022 pela Prefeitura de Vitória da Conquista. Foto: Conquista Repórter.

CR: Na mídia local e dentro dos próprios movimentos sociais, nós observamos principalmente mães que denunciam a falta de cuidadores e atendimento especializado para crianças autistas nas escolas municipais. O Simmp tem recebido denúncias desse tipo? Como você avalia o preparo (ou não) da rede municipal de ensino para receber e atender essas crianças?

Greissy Reis: Essa é uma problemática histórica dentro da nossa rede de ensino e, nos últimos anos, a situação tem se acentuado de forma gravíssima. Nós recebemos muitos relatos a respeito de crianças com deficiência fora das escolas por falta de cuidadores. O Simmp fez denúncias no Ministério Público, convocou a associação de mães e realizou protestos na porta da Prefeitura, para chamar a atenção da sociedade para essa questão. É uma ilegalidade termos a criança fora da escola porque o Poder Público não garantiu o profissional para atender aquele aluno. São várias situações bem difíceis que nós, professores, e toda a comunidade, temos enfrentado. Nós observamos, por exemplo, que a Secretaria Municipal de Educação não possui equipe suficiente ou não constrói parcerias para auxiliar no diagnóstico das crianças com deficiência. Porque para além dos alunos já diagnosticados e com laudos médicos, nós temos inúmeros casos de famílias sem condições de pagar um profissional para fazer essa avaliação. E isso se entrelaça com a precariedade da saúde pública em nosso município. Eu acho que é necessário um trabalho em rede, unindo educação, assistência social, saúde, e priorizando a criança ou adolescente que está na escola. Essa falta de atenção para o diagnóstico acaba impactando também na saúde do professor, porque sem o laudo, a criança não consegue o direito ao cuidador, e aí o docente, que muitas vezes não tem o preparo para atender às necessidades específicas daquele estudante com deficiência, precisa assumir esse papel. Mas principalmente, é o direto da criança de ser assistida corretamente que está sendo negado. Se eu não garanto ao aluno com deficiência as condições pedagógicas adequadas, que envolvem professor, assistente, cuidador, psicólogo e outros profissionais, essa criança não tem acesso a uma educação de qualidade.

CR: No início do ano letivo de 2024, vieram à tona denúncias sobre a falta de professores em salas de aula em algumas unidades de ensino. Houve também uma movimentação nas redes sociais de profissionais que foram aprovados em concursos da Educação, mas não foram convocados. Qual o cenário atual do quadro de docentes da rede municipal?

Greissy Reis: A transparência sobre essas informações tem sido muito difícil junto à Secretaria Municipal de Educação. Nós já fizemos inúmeros ofícios solicitando o número de vagas reais para professores na rede, a relação de docentes efetivos e contratados. Inclusive, já saiu documento da mesa diretora da Câmara de Vereadores pedindo essas informações, mas até hoje não obtivemos resposta. É uma verdadeira caixa preta. E o que a gente observa nas nossas visitas é a falta de professores em algumas escolas. Faltam profissionais para cobrir Atividade Complementar (AC), faltam professores efetivos. À medida que foram sendo feitas convocações, a situação foi melhorando, mas ainda não está 100% corrigida. Nós soubemos, inclusive, que em algumas escolas o monitor escolar estava assumindo regência de classe. Isso é um absurdo e desvio de função. Nós observamos irregularidades ao longo das visitas, mas não temos equipe suficiente para visitar toda a rede municipal, que é imensa e conta praticamente com 200 escolas. Então, com o concurso e a seleção, essa questão do quadro de professores vem sendo amenizada, mas isso ainda não é suficiente para suprir a demanda da rede. Por exemplo, o governo retirou a gratificação por Atividade Complementar (AC), mas ainda não garantiu o cumprimento dessa AC. Por que a Prefeitura não convoca os professores? Por que não chamam os profissionais que passaram na seleção? O município poderia criar a estrutura para que houvesse a AC sendo cumprida na sua integralidade e isso abriria a possibilidade de convocação de outros professores concursados. Mas isso depende de vontade política, do olhar para a educação como prioridade. Porém, para essa gestão, a educação, de fato, não é uma prioridade.

Atenção: Todo o contéudo, texto e fotos, foram produzidos pelo site Conquista Repórter.


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