Blog de Giorlando Lima
Poderia ser apenas mais uma foto inofensiva, em que jovens trolam outros com uma brincadeira do momento. Poderia ser um beijo e shalow now ou até, não tanto inofensiva, mas muito comum, a expressão de alegria em uma festa de camisa, com garrafas long neck de cerveja nas mãos. Mas, não, os rapazes, aparentemente menores de idade, estavam em uma sala de aula e ao invés de uma camisa de festa, vestiam farda de um colégio particular da cidade. E não jogavam beijo ou se davam um abraço festivo, estavam com os braços esticados, imitando a saudação nazista, e um deles tinha uma faixa branca enrolada no braço direito onde aparece desenhado o símbolo do nazismo, a suástica.
A imagem foi postada em uma rede social e causou indignação, principalmente da Comunidade de Estudos Judaicos de Vitória da Conquista, que, no dia 15 deste mês, ofendida, fez uma nota de repúdio, que fez circular pelo WhatsApp, e levou sua indignação ao conhecimento da escola e do Ministério Público. Na nota, a entidade condena a apologia ao nazismo praticada dentro do colégio e lembra que o nazismo foi o “regime que dizimou milhões de judeus, ciganos, homossexuais, deficiente físicos, entre outros grupos minoritários, o que, por si só, causa absoluta indignação, ainda mais vindo de dois jovens estudantes em um ambiente conhecido como ‘casa do saber’ – escola”.
Também a Clínica de Direitos Humanos (CDH), coordenada pela professora Luciana Silva, vinculada ao Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCSA), com a participação de estudantes do curso de Direito da Uesb, se solidarizou com a comunidade judaica e expressou seu repúdio “diante da postura dos dois estudantes de determinada escola da cidade, que postaram foto aparentemente fazendo apologia ao nazismo”. Apesar de usar o termo “aparentemente” em sua nota, a CDH/Uesb descreve a fotografia dizendo que na “imagem, dois jovens posam com a insígnia suástica e com os braços na posição de saudação típica do nazismo”. Na sequência, a CDH produziu e publicou em seu perfil no Instagram um vídeo educativo, como parte da campanha “Lembrança do Holocausto: exija e defenda os seus Direitos Humanos”.
Sobre o assunto, o colégio postou uma nota no seu perfil do Instagram e na página do Facebook, informando que a postura dos alunos não combina com a filosofia da mesma e que tomaria as medidas cabíveis. No Instagram, a postagem teve 510 curtidas e nenhum comentário. No Facebook, teve 53 reações, dois compartilhamentos e dois comentários, mas estes não estão disponíveis para leitura.
O caso chegou a sair em um blog de Vitória da Conquista, mas, avisado, o Ministério Público recomendou que o mesmo tirasse a foto dos estudantes, pois se tratava de menores e não podiam ser expostos. O blog mencionado, então, optou por excluir a notícia completa. Fora isso, pouco se falou no assunto, apesar do seu teor e da necessidade fundamental de discutir episódios dessa natureza, pelo que contêm de preconceituosos, ofensivos, potencialmente perigosos e, por isso mesmo, combatidos por lei.
Monitorando as redes sociais encontramos no Facebook somente dois perfis abordando o assunto. Um compartilhou a nota da CDH/Uesb e o outro comentou a atitude dos alunos, chamando-os de racistas e relatando que o colégio fez (na terça, 22, pela manhã) um evento focado no tema, constando palestras – com um psiquiatra, um psicólogo, um representante da Comunidade de Estudos Judaicos e uma professora de História – para os alunos do ensino médio, incluindo os dois estudantes que fizeram os gestos nazistas.
ORIENTAÇÃO SOCIOEDUCATIVA
O BLOG entrou em contato com o Colégio Sêneca, onde os dois jovens foram fotografados, para saber mais informações sobre o episódio e quais as medidas tomadas em relação aos alunos. Recebemos, de volta, uma ligação do diretor pedagógico da instituição, Antonio Landulfo, que explicou as medidas adotadas pelo colégio diante do caso. De acordo com ele, a opção foi pedagógica. Os alunos foram suspensos por uma semana e estão tendo que participar de atividades sobre os horrores do holocausto e de conscientização acerca dos preconceitos.
“Entendemos que educar é antes de tudo acolher. De acordo com o nosso pensamento, um ato não define uma pessoa, se ele não foi completamente delituoso ou intencional, por isso, a escola partiu, com o endosso da própria comunidade judaico-cristã e do Conselho Regional de Psicologia, para tomar medidas socioeducativas”, explicou o diretor. A alternativa foi chamar os pais, conversar com os dois jovens e dar a eles tarefas que os ajudassem a compreender a gravidade do erro, propiciando o entendimento sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas a quem homenagearam em sala de aula.
Os dois alunos não tinham advertência anterior e, segundo Antonio Landulfo, a transferência compulsória foi considerada injusta e “nem havia embasamento no regimento para poder fazê-lo”. Além da supensão de uma semana, os alunos receberam a incumbência de fazer um trabalho de dez laudas sobre nazismo, com a obrigação de ver quatro filmes temáticos, incluindo A Lista de Schindler e o Menino do Pijama Listrado, e ler três livros, entre os quais O Diário de Anne Frank, que, aliás, é retratada em ilustração na entrada do Sêneca.
Fora essas atividades, os jovens e os demais estudantes do ensino médio do colégio participaram de palestras. “Reunimos toda a escola, por quase três horas, para abordarmos a cultura do não-ódio, por que tinha gente dizendo ‘vamos matar’, ‘vamos dar uma surra’, ‘a escola tem que expulsar’. No primeiro, foi o discurso de ódio [como reação ao que fizeram os dois alunos], o que, para mim, enquanto educador, era pior do que o ato dois estudantes, já que falava em matar alguém por um ato impensado. Então, fizemos o caminho educativo todo, fizemos um documento relatando ao Ministério Público todas as nossas ações entregamos ao Dr. Marcos, que já arquivou o processo”.
ARREPENDIDOS E CHOROSOS
Para o professor, os jovens não tinham noção do que estão fazendo. Segundo ele, na visão do colégio, o objetivo, agora, é ajudar que os dois estudantes – “arrependidos, chorosos, sabendo da grande coisa errada que fizeram” – possam se tornar cidadãos de verdade”, já que a expulsão, de acordo com ele, poderia levá-los a optarem pelo nazismo. “A expulsão seria a pior coisa, no sentido lato falando, porque poderiam se revoltar e se tornar nazistas de verdade, por enquanto são só adolescentes que fizeram uma grande bobagem”, acredita.
Além da suspensão de uma semana, do trabalho de dez laudas, da obrigação de ver filmes e ler livros sobre o nazismo e o holocausto, os dois alunos, já reincooporados à sala de aula, vão participar da elaboração de um sarau literário e histórico sobre o chamado holocausto brasileiro, ocorrido no Hospital Colônia de Barbacena (MG) – onde teriam morrido por maus tratos 60 mil pessoas que eram levados para o local com objetivo de afastá-las do convívio social -, e sobre a luta antimanicomial, informou Antonio Landulfo.
O caso já teria sido arquivado pelo Ministério Público. O diretor disse que o promotor de Justiça da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Marcos Almeida Coelho, considerou satisfatória a medida adotada e elogiou o colégio, a exemplo di que fez o Grupo de Estudos Judaicos de Vitória da Conquista, que, depois de se considerar ofendido e manifestar indignação com a atitude dos dois adolescentes, divulgou uma carta em que agradece e elogia o colégio por “promover o debate e a liberdade religiosa”. Para o grupo, as medidas socioeducativas foram “adequadas ao contexto do comportamento de alguns de seus alunos” e que o “colégio se esmerou, nos últimos dias, em plantar uma semente de avaliação, de tolerância, de conhecimento. Uma semente de futuro foi plantada”.
* O colégio não informou se o aluno que fez a foto também foi incluído nas medidas socioeducativas.