Quando a política interfere indevidamente na economia ou vice-versa, todos perdem. O parlamento, as empresas, as instituições, a sociedade. Se houver má-fé, então, sem medir impactos sociais, econômicos ou regulatórios, o efeito é catastrófico. A harmonia é o ideal nos negócios. O ganha-ganha deve ser o fim de tudo. Pena que nem sempre seja possível. Um estudo técnico da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), que não revela motivações e nem responsáveis, mas aponta achados e conclusões, ilustra bem o fenômeno, com exemplos recentes, reais e, seguramente, evitáveis se a máquina do bom senso estivesse ligada. Um arrastão, iniciado na primeira metade da última década, varreu essa lógica e transformou os estados brasileiros em pedrinhas de dominó, tombando uma sobre as outras. A Bahia entre elas.
Nunca é demais lembrar que desenvolver infraestrutura é um trabalho que requer mais que recursos financeiros apenas. Há dois mil anos, o Império Romano já sabia da importância dela para o desenvolvimento econômico. Até virou máxima: todos os caminhos levam a Roma. É preciso pensar o local que receberá as melhorias de forma ampla, entendendo o ecossistema local para garantir equilíbrio dentro do emaranhado de especificidades de cada região. No caso da Bahia, é preciso entender como os diversos modais – aeroportos, ferrovias, portos e rodovias – se relacionam. A interdependência deles é fundamental para que o escoamento de insumos, produtos e bens de consumo seja bem-feito. E, para que essa logística realmente funcione, é necessário que se pense mais a frente, bem além da Bahia. Deve-se considerar litoral, interior, Nordeste, demais regiões, outros estados, Brasil e países.
A preocupação não é unilateral. Estamos falando de um ambiente que sofreu profundas mudanças na última década. As atividades industriais, que representavam um terço do PIB baiano, representam agora um quinto. Em 2010, a participação da indústria no PIB era de 27,1%. Dez anos depois, o percentual caiu para 21,8%. Nesse período, a Bahia caiu no ranking nacional do PIB, passando da 6ª para a 7ª posição. E viu a taxa de desemprego passar de 11% para 19,8%. Fechou 2021 com o maior índice de desempregados no país. Em dez anos, a economia encolheu. A mudança na política de preços da Petrobras, em 2016, foi um duro golpe na produção petroquímica, afetando o Polo de Camaçari. A Braskem reduziu as atividades. A Fafen também. E a Ford fechou, acentuando o estrago, com perdas estimadas em R$ 5 bilhões à economia local, incluindo o fim das fábricas que forneciam peças e componentes aos veículos. Toda cadeia de serviços de transporte e alimentação, entre outros, se desestruturaram.
Para além dos efeitos na geração de riqueza, renda e empregos, os efeitos do encolhimento da indústria impactam diretamente o setor de logística no estado. Houve, por exemplo, a diminuição de tráfego de caminhões-cegonha até o Porto de Aratu. Mais de 2,5 mil cegonheiros em atividade no estado deixaram de fazer a rota de exportação todos os meses. Trata-se de uma variação negativa de 79% na exportação de veículos, entre janeiro e setembro de 2021. E mesmo quando se considera a exportação total – produção agropecuária, petroquímica e minérios -, os portos da Bahia retomaram, em setembro de 2021, os patamares que haviam atingido em outubro de 2012, de US$ 946 milhões. É o melhor resultado em dois anos e meio. Em dezembro de 2018, os portos da Bahia movimentaram US$ 989 milhões. Valor jamais superado nos 32 meses seguintes. Isto é uma relação direta à falta de melhorias da infraestrutura instalada no estado. O algodão produzido na Bahia escoa pelo Porto de Santos.
Enquanto a indústria cura suas feridas, a infraestrutura vive seu momento de agonia. O Ranking de Competitividade dos Estados 2021, do Centro de Liderança Pública, mostra que, se considerada apenas essa variável, a Bahia ocupa o 19º lugar, mesmo tendo a 4ª maior população do país. A expectativa é que os recentes leilões de terminais nos Portos de Salvador e Aratu melhorem o cenário. Há, porém, sério risco de que o ganho fique limitado, se não houver mudança na condição das rodovias que interligam as regiões produtoras aos portos.
Os obstáculos aos investimentos nas BRs 242, 116 e 324 precisam ser retirados. Com orçamentos apertados, a solução à retomada da saúde do setor produtivo e da população em geral passa pela infraestrutura. Sem pavimentar os caminhos para o ajuste e a qualificação em infraestrutura e logística, a Bahia está condenada à crônica deterioração do ambiente industrial e de sua capacidade de atrair novas empresas. Não dá mais para esperar pelos investimentos na infraestrutura logística do estado. Um novo leilão daqui a 3 ou 4 anos é retirada de obstáculo, mas o ponto é outro: a urgente necessidade de retomada dos investimentos e não esperar 3 ou 4 anos. O Império Romano jamais abandonou suas estradas. Eles eram sensíveis à causa, não perdiam tempo com burocracia e sabiam que sem elas não iriam a lugar nenhum. Lideraram o mundo por um milênio.
Cláudio Pimentel é jornalista
Tribuna da Bahia – 11.02.2022