Blog do Sena – Vitória da Conquista- Bahia

Documentos revelam vida secreta de Glauber Rocha como um burocrata

Random image

Por: Folhapress

Enquanto rodava seus primeiros filmes na Bahia no início dos anos 1960, o cineasta Glauber Rocha também batia cartão e cumpria expediente na prefeitura. 

Documentos inéditos obtidos com exclusividade mostram que Glauber, que completaria 80 anos, atuou como técnico de informação e divulgação na extinta secretaria de Administração e Finanças da capital baiana entre 18 de março de 1960 e 1º de maio de 1963. 

Na mesma época, atuou como jornalista em periódicos como o Jornal da Bahia e o Diário de Notícias, nos quais escrevia sobre cinema, e rodou o seu primeiro longa-metragem, “Barravento”, gravado na praia de Buraquinho, na Grande Salvador. 

“Glauber era muito ativo, plural e tinha múltiplos talentos”, diz o jornalista João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, que foi amigo do cineasta baiano e escreveu a biografia “Glauber, Esse Vulcão”.

O jovem cineasta atuou na prefeitura nas gestões do então prefeito Heitor Dias, da UDN, e do seu sucessor Virgildásio de Senna, do PTB. Trabalhava na antiga sede da prefeitura que ficava no Paço Municipal, 
mesmo prédio onde hoje funciona apenas a Câmara de Vereadores de Salvador.

Dentre os documentos descobertos pelo setor de gestão documental da prefeitura, há fichas financeiras, de cadastro, de frequência, guia de inspeção de saúde, memorando e folha corrida do então jovem Glauber Rocha.

As fichas mostram que Glauber morava numa casa na rua General Labatut, nos Barris, e entrou na prefeitura sob contrato individual de trabalho. Ganhava um salário bruto de 20 mil cruzeiros —pouco mais do que o dobro do salário mínimo instituído em 1960, que era de 9.600 cruzeiros. 

O dinheiro era curto para a época. Se quisesse comprar um Fusca, que então era vendido por 540 mil cruzeiros, teria que guardar integralmente o equivalente a 27 meses de salário.

Na prefeitura, Glauber teve como chefe dois dos mais importantes intelectuais baianos da época: Rosalvo Barbosa Romeo e Manoel Pinto de Aguiar.

O advogado Barbosa Romeo, que nos anos 1990 seria vice-governador da Bahia, foi amigo e uma espécie de padrinho do jovem cineasta. Além do emprego, conseguiu recursos para a criação da cooperativa Yemanjá Filmes, na qual Glauber rodou seus primeiros trabalhos.

“Barbosa Romeo foi um dos homens mais inteligentes e cultos que a Bahia já teve”, lembra o ex-prefeito de Salvador Mário Kértesz.

Ele lembra que Glauber costumava frequentar a casa de Barbosa Romeo, no bairro da Pituba, onde conversava com outros políticos, como o então jovem deputado federal Antônio Carlos Magalhães. “Claro que isso foi antes do golpe. Depois tomariam rumos opostos”, diz Kértesz. 

Glauber também chegou a ser chefiado por Manoel Pinto de Aguiar. Advogado e professor, o secretário também era um dos principais editores de livros da Bahia, à frente da editora Progresso. 

Ambos já se conheciam antes da prefeitura. Fernando Rocha, amigo de Glauber e seu colega no colégio Central da Bahia, era cunhado de Pinto de Aguiar e trabalhou com ele na editora. Bem relacionado, Pinto de Aguiar chegou a ajudar a levantar fundos para imprimir a revista Mapa, periódico feito por Glauber, Rocha e outros jovens que também se reuniam em torno das jogralescas —espetáculos que encenavam poemas modernistas. 

Os documentos da prefeitura ainda revelam que, quanto mais mergulhava no cinema, mais dificuldade Glauber teve em conciliar seus filmes com o serviço público. Uma folha de ponto de abril de 1963, por exemplo, mostra que ele faltou oito vezes naquele mês, o que lhe custou um desconto de 5.300 cruzeiros no salário. 

Em maio, pediu demissão da prefeitura e em julho seguiu para uma jornada que mudaria sua vida —a viagem para a cidade de Monte Santo, sertão da Bahia. Ali, rodaria “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.


Curta e Compartilhe.

Deixe um Comentário


Leia Também