Blog do Sena – Vitória da Conquista- Bahia

Conquista: O retorno das aulas presenciais só pode acontecer com a preservação do direito à vida

Random image

Após cerca de cinco meses de isolamento social devido à pandemia da covid-19, as discussões sobre o retorno às aulas presenciais vêm ganhando a esfera pública. No entanto, esse assunto veio à tona apenas por atingir diretamente o campo econômico que, desde o início da pandemia, tem tentado se livrar dos efeitos colaterais de um vírus que já causou quase 100 mil mortes no Brasil.

Em Vitória da Conquista, as aulas presenciais foram suspensas no dia 16 de março de 2020, através do decreto 20.190, que vem sendo renovado mensalmente. A pressão para a volta às aulas cresce, principalmente pelas escolas particulares, e a rede pública criou uma comissão para discutir medidas protocolares para esse retorno. Em contrapartida, os casos do novo coronavírus só crescem. Na última semana, o município registrou 404 novas contaminações.

Uma pesquisa publicada pela Nature Human Behaviour mostra que, no Brasil, cada pessoa infectada pela covid-19 transmitiu o vírus para outras 3 pessoas. O ideal é que o nível de transmissão não passe de uma, para conter a curva de contaminação. Porém, se as escolas reabrirem, esse nível tende a aumentar muito mais, visto que cada aluno tem contato com mais 15, no mínimo, além dos profissionais da educação que atuam diretamente com esses estudantes.

Logo, mesmo que a curva de contaminação diminua e estabilize, a volta às aulas pode prejudicar a contenção da covid-19. Um exemplo claro disso é que, desde que o comércio foi reaberto em Vitória da Conquista, surgiram 2452 casos, aumentando 1642% em dois meses e é inimaginável estipular o impacto do retorno às atividades escolares presenciais na curva de contaminação. Para compreender um pouco, podemos pensar os casos de alguns países que foram atingidos pelo novo coronavírus antes do Brasil.

CHINA

O retorno às aulas não foi regular no país. Em alguns grandes centros urbanos, como Pequim e Xangai, somente os alunos do último ano escolar retornaram às aulas presenciais. Porém, é preciso compreender que no país tem uma alta tecnologia. Algumas escolas têm câmeras com infravermelho detectando a temperatura dos alunos, em outras há pulseiras medindo regularmente essa temperatura.

Foi na China que surgiu o primeiro caso do coronavírus, sendo o primeiro epicentro de contaminação. O país tomou medidas drásticas, fechou as fronteiras, fez lockdown, criou hospitais e teve testagem em massa na população.

FRANÇA

A França reabriu as escolas progressivamente, com medidas protocolares rigorosas, turmas reduzidas e testagens massivas. No entanto, isso não conteve novos casos de contaminação pela covid-19. O governo mapeou 70 novos casos em 7 escolas, o que fez com que as escolas fossem fechavas novamente.

COREIA DO SUL

Outro país que fechou as escolas novamente após a reabertura foi a Coreia do Sul. A medida foi tomada com o intuito de conter uma segunda onda de contaminação no país, segundo governantes.

Países como Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra e Japão não irão voltar às aulas presenciais, mas os governos prepararam protocolos rigorosíssimos. A Itália foi o país que foi mais afetado no início da pandemia e ainda busca se reorganizar. Países considerados exemplos de protocolo na volta às aulas, Dinamarca e Singapura também são exemplos na contenção do vírus, as UTIs não ultrapassaram 15% de ocupação.

A pressão para o retorno das aulas presenciais não passa de uma pressão de ordem econômica, como já foi explanado anteriormente. Com os comércios abertos, os pais têm que trabalhar e, logo, não têm com quem/onde deixar as crianças, e é obrigatório que crianças de até 12 anos estejam acompanhadas por um adulto. Entretanto, o que é possível aprender com o exemplo de outras localidades é que a única forma de controle do vírus é o isolamento social.

Com a falta de investimentos no controle social e nas camadas mais vulneráveis da sociedade, obviamente, os mais afetados são os mais pobres. E, no Brasil, grande parte dos mortos são justamente esses pobres. O isolamento social só aconteceu para aqueles que não necessitam sair de suas casas para ganhar dinheiro e têm acesso à informação sobre as consequências do vírus.

As mortes no Brasil não podem somente ser contabilizadas pelos quase 100 mil que morreram com testagem positiva para a covid-19. Devemos contar também aqueles que precisaram do atendimento na saúde pública e não obtiveram. Em Vitória da Conquista, por exemplo, os postos de saúde que estão funcionando não têm medicamentos. É essa camada vulnerável da sociedade que tem comorbidades sem tratamento, mas precisaram continuar trabalhando durante a pandemia.

Pensar a construção da sociedade brasileira é também compreender as diferenças entre o ensino particular e o ensino público. Os alunos da escola pública já sofrem com um ensino que não pode ser equiparado com o particular, principalmente quando se trata de avaliações em vestibulares e acesso ao ensino superior. Na pandemia, isso ficou ainda mais claro, quando se pensa sobre o acesso à internet e tecnologia para as camadas mais pobres em comparação à classe média e rica.

Nada obstante, a Associação da Valorização da Educação do Sudoeste Baiano (Avesb) fez um plano de ação solicitando que as escolas particulares voltem às atividades presencias a partir do dia 10 de agosto de 2020. O plano de ação, que pode parecer rigoroso, coloca a maior responsabilidade para os pais. Partindo da escola apenas a higienização a cada 3 horas e prevendo punição para alunos e colaboradores que não usarem máscaras – o colaborador pode, inclusive, perder o emprego.

Com todas as possibilidades de os alunos levarem alimentos de casa, o plano prevê a reabertura das cantinas – logo, terão filas no ambiente escolar – e não proíbe os eventos dentro do ambiente escolar. Ademais, fica de responsabilidade dos parentes a lavagem diária dos uniformes, a higienização dos materiais escolares e o envio de máscaras, já que estas devem ser trocadas 2h em 2h. O plano ainda diz que crianças de 2 e 3 anos não serão obrigadas a usarem máscaras, mas a idade escolar obrigatória é a partir dos 4 anos e essas crianças não podem ser colocadas em risco.

Mesmo que as escolas admitam todos os protocolos contidos no plano, as escolas particulares retomariam as atividades antes das públicas? Levando-se em consideração que essa coação aconteceu após pedidos de descontos nas mensalidades, pode-se considerá-la um “pedido” coerente com a situação do município? Quem fiscalizará essas escolas?

A única coisa que poderá dar segurança às famílias e, por conseguinte, à sociedade em geral é a vacina contra a contaminação do novo coronavírus. No entanto, mesmo com as atividades do ensino superior suspensas em todo o estado da Bahia até dia 31 de dezembro de 2020, o IFBA divulgou uma prévia de um plano de contenção.

As escolas e creches municipais merecem uma atenção diferente. Os prédios não são uniformes, a capacidade não é regular e faltam profissionais, mesmo em tempos “comuns”. Algumas escolas têm ambientes muito fechados, próprios para contaminação. Outras, têm poucos banheiros, salas pequenas, poucas janelas, construções inacabadas. Existem creches com apenas um banheiro. Além disso, como essas crianças serão transportadas? E a higiene pessoal das crianças não colocam os profissionais em risco? Como será distribuída a alimentação? E a higienização frequente dos ambientes, refeitórios e banheiros se, mesmo antes da pandemia, faltavam materiais de higiene?

Para a volta às aulas sem vacina, seria imprescindível que:

  • Uso de máscaras e disponibilização para os alunos de 2h em 2h, de acordo com as indicações dos órgãos de saúde
  • Álcool em gel na entrada das escolas e das salas de aula
  • Atenção à higiene dos banheiros, controle na entrada e quantidade de pessoas
  • Desinfecção das escolas antes do início das aulas
  • Arejar salas, se preciso alargar ou abrir janelas
  • Criação de cartilha sobre medidas de higiene e motivos das prevenções tomadas pela escola
  • Volta às aulas gradual: dos mais velhos para os mais novos, visto que os mais velhos tendem a ser mais conscientes em relação à higiene
  • Proibição de brinquedos de casa e uso individual dos brinquedos
  • Higienização dos materiais escolares
  • Instalação de torneiras e pias ao ar livre, com a disponibilização de sabão líquido
  • Aulas ao ar livre
  • Testagem semanal de alunos e professores
  • Diminuição da quantidade de alunos nas salas de aula
  • Contratação de mais profissionais da educação para redução de alunos nas turmas
  • Afastamento de profissionais da educação em grupo de risco
  • Aulas remotas para alunos do grupo de risco e os que a família escolheram não retornarem às escolas
  • Controle de temperatura na entrada das escolas
  • Distanciamento de 1,5m entre as carteiras
  • Prezar pela saúde mental de professores e estudantes, com atendimentos psicológicos gratuitos
  • Sem atividades em grupo
  • Recreio reduzido, apenas para a alimentação
  • Horários diferentes de entrada e saída, para evitar a aglomeração
  • Higienização de áreas comuns a cada 2h, incluindo refeitórios e corrimãos
  • Oferecimento de capacitação aos profissionais da educação, para que saibam lidar com os alunos

A capacitação dos professores sobre infectologia e ambiente escolar deve acontecer, mesmo que as aulas só voltem após a vacinação contra o vírus. O que ficará de aprendizado com essa pandemia é a necessidade de que a prevenção de doenças infecciosas e higiene pessoal adequada deve entrar nos currículos escolares. As lavagens de mão corriqueiras e o fato de as mãos não poderem ir à boca e olhos devem ser ensinadas às crianças e sempre reafirmadas ao decorrer dos anos, para que estes se tornem hábitos comuns.

Por isso, as cartilhas de higiene devem ser didáticas, em forma de história, para que os alunos compreendam e se conscientizem. Porém, observar as exigências para o retorno às aulas só mostra como isso é impossível. Esse retorno teria que acontecer quando não houvesse surgimento de novos casos, o que não tem acontecido. Além disso, financeiramente não há recursos suficientes para suprir todas essas necessidades, visto que até os salários dos profissionais da educação foram cortados desde o início da pandemia.

Todavia, essa discussão ultrapassa qualquer aspecto econômico. É uma discussão humanitária, sobre a vida. Quem será afetado com esse retorno? Os mesmos que vêm sofrendo com redução salarial, desemprego, falta de atendimento médico, entre outros, desde o início do isolamento social. Não é a economia que está quebrada, são as vidas que estão sendo perdidas. E, vale repetir, já são 100 mil mortos apenas pela covid-19.

O mundo já passou por diversas crises econômicas, como a decorrente do crash da bolsa novaiorquina em 1925, as trocas de moedas brasileiras na década de 90 – com grande aumento da inflação, a crise de 2009, a que decorreu do impeachment em 2016, entre muitas outras. Porém, a economia é passível de recuperação e tem todas as medidas, ações, vias para que isso aconteça. O mesmo pode acontecer com os conteúdos e o ano letivo. As vidas, contudo, não podem ser recuperadas.

O genocídio da população pobre acontece desde o início das civilizações, como aconteceu na idade média com a Peste Bubônica e no início do século XX com a gripe espanhola. Mas esse extermínio também acontece no dia-a-dia, quando os pretos são os que são assassinados, há falta de saneamento básico e/ou a fome que assola lares marginalizados. Só algumas vidas parecem importar para o imaginário social. As políticas públicas tomadas durante esse período desvelam claramente o que é importante para os governos. A falta de entrega de alimentos para as famílias das crianças do ensino público é um exemplo claro disso. É preciso reconhecer que o extermínio do pobre e, logo, do preto, é uma forma de diminuir os gastos com políticas assistencialistas e excluir ainda mais os não brancos que sempre estiveram vulnerabilizados pela estrutura social, assim como fizeram os governos fascistas nas décadas de 1940/50.

Assim, o Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (SIMMP) explana que é contra todos os ataques à educação e aos trabalhadores e trabalhadoras que sofrem com essa estrutura desigual. O SIMMP também vem se mostrar a favor de uma educação que respeite o direito à vida, que é fundamental para os seres humanos e, por isso, entende que a volta às aulas só pode acontecer com segurança, para preservar a saúde física e mental dos alunos, profissionais da educação e familiares.


Curta e Compartilhe.

Deixe um Comentário


Leia Também