O clipe teve roteiro assinado pela própria artista, com edição de Nin La Croix, e está disponível no YouTube. Em “Vai rodar”, sexta faixa do disco, Ana utiliza a estética sonora da cultura de longa tradição nordestina para discutir questões do seu tempo. A música é uma crítica ao presidente da República e retrata um duelo imaginário entre ele e a força da figura do boi-bumbá, ressaltando a cultura popular como potência revolucionária. “Mais do que um protesto, é um presságio de ‘limpeza’ frente a um país em crise sanitária e política”, diz a artista.
“A verdade, ela sempre vem, ainda que seja duro pagar o preço da espera. Custa caro. A indignação também fortalece. Infelizmente, a gente só recupera o instinto da ação, o furor pela mudança quando dói. E agora não tem quem não esteja em carne viva. Sinto-me convocada a ter responsabilidade com a frente que assumo. Até porque, viver é um ato político. Tem suas complexidades colocar o corpo a serviço do mundo, mas enquanto eu tiver saúde e disposição para isso, quero buscar ser esse instrumento”, ressalta Ana.
O videoclipe conta com a participação de amigos e artistas, agentes culturais de diversas partes da Bahia. “Quis mostrar que, apesar de nossas inumeráveis indignações, somos fortes, não somos poucos e que a beleza mora na diversidade e criatividade da nossa gente. Não tinha dúvidas de que pessoas corajosas e criativas trariam a beleza e força que a música merece”. Na letra, Ana também faz menção a mulheres, como Marinês, Chiquinha Gonzaga, Elza Soares e Maria Bonita, homenageando as suas referências desde quando iniciou sua trajetória na música. “Minha primeira escola foi o chorinho e foi uma grande descoberta saber de Chiquinha Gonzaga.”
RECOMEÇO
O álbum “Cisco no olho” já está nas plataformas digitais e Ana passeia desde as cantoras do rádio até o cancioneiro popular de sua região. Ela explica que o disco, às vezes, revela uma desculpa para disfarçar um choro, uma emoção, um arrebatamento. A cantora parte desse esconderijo para, com sua música, sugerir uma busca pela liberdade. “Quero dizer para a gente tirar o cisco e chorar. O choro alivia, reorganiza. É preciso ganhar algum tipo de impulso para recomeçar todos os dias”, acredita
O impulso que Ana sugere aparece no álbum em forma de canções que tanto falam de amor quanto de política, e apresentam uma sonoridade diversa – melancólica e dançante, regional e universal. “Todas as canções do disco, mesmo as mais divertidas, tratam sobre algum tipo de cisco, aquele incômodo insistente, como são os desamores ou esse desgoverno.”
Para contar essa história, Ana teve a ajuda do produtor musical Sebastian Notini (Seba), que já a acompanhava em apresentações. “Quando ouviu ‘Gotejo’ e ‘Inclusive eu’, ele abriu um novo olhar. Também existiu uma atenção específica às letras das músicas, à dramaturgia do disco.”
Quem assume os arranjos do álbum é Felipe Guedes, que decifrou o formato sonoro do trabalho, que ainda conta com o violão de Babuca, a flauta de Leandro Tigrão e o clarone e clarinete de Joana Queiroz. “É um disco que me aproxima de quem ouve e tem a beleza de músicos incríveis tocando.” O álbum integra o projeto “Repentina”, que, inicialmente, era o nome do álbum. Porém, Ana decidiu mudar para “Cisco no olho”. Como o projeto foi inscrito com esse nome no edital da Lei Aldir Blanc, foi necessário mantê-lo de alguma forma. Diante disso, ficou “Projeto Repentina apresenta: Cisco no olho”.
Ana conta que o disco tem um pouco de sua pesquisa sobre a cultura e tradição nordestina. “Tem umas quatro faixas que têm um pouco dessa pegada popular, coco, xaxado, repente e baião. Misturo um pouco disso, mas tem canções mais tradicionais. ‘Gotejo’ é umas das canções mais fortes do álbum e fiz depois do desfecho de um relacionamento abusivo, aos 18 anos.” Para ela, essa música é a sua composição mais bonita. “Já ‘Cisco no olho’, que dá nome ao álbum, tem cheiro de bossa nova. Tem outra mais moderna, ‘Nowhere woman’. ‘Cuidar do olhar’, só faço com voz e sopro”.
RETIRANTE
Embora “Nowhere woman” tenha um nome inglês, Ana garante que o disco todo é bem brasuca. “Inclusive, essa canção tem uma pegada mais brasileira, mais latina, fazendo lembrar um pouco a dupla Lu & Lucina, Milton Nascimento e Ney Matogrosso. A música do não lugar de mulheres, assim como eu, que transitam e se reinventam. Sou uma artista retirante do interior e vim para a cidade grande com uma criança nos braços. Querendo ou não, acho que representa muitas mulheres que saem de um lugar e vão pra outro.”
REPERTÓRIO
>> 1 “NOWHERE WOMAN”
>> 2. “CISCO NO OLHO”
>> 3. “GOTEJO”
>> 4.“SERENATA PARA MEU PASSARIM”
>> 5. “INCLUSIVE EU”
>> 6. “CACTO”
>> 7. “VAI RODAR”
>> 8. “CAPITÁ”
>> 9. “CUIDAR DO OLHAR”
CISCO NO OLHO
Ana Barroso
Tratore
Nove faixas
Disponível nas plataformas digitais
*Estado de Minas