Entre as mais de 300 entregas que faz por mês, uma delas, na terça-feira (1º), mudou a rota – talvez, da vida – do entregador de aplicativo Vagner Silva Oliveira, de 18 anos. Ele, que trabalha com bicicletas alugadas diariamente, em breve poderá obter sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e comprar uma moto.
Vagner estava no Largo da Batata, na Zona Oeste de São Paulo, quando tocou um pedido em seu aplicativo. Ele precisava pegar a entrega em um restaurante na Rua Augusta e levar ao destino, uma rua no Cambuci, região central da cidade. O percurso total chega a quase 10 km entre ladeiras e grandes avenidas da cidade.
O entregador chegou dentro do tempo estipulado pelo aplicativo. Ainda assim, ao entregar o almoço de Gersínio dos Anjos Neto, de 34 anos, Vagner pediu desculpas pelo atraso. Ele contou que teve que pedalar um trecho longo e que precisava voltar logo ao Largo da Batata para devolver a bicicleta, já que o tempo de aluguel estava acabando. A conversa durou menos de um minuto.
“Todas as pessoas a quem eu entrego, eu sempre peço desculpas pela demora. É uma questão de educação, né? Mesmo que esteja dentro do horário”, contou Vagner ao G1.
No momento da breve interação com Vagner, Gersínio contou que ficou “sem reação”, e em seguida começou a pensar em como poderia ter ajudado. “Não sou rico, mas poderia ter oferecido uma bike”, refletiu.
O aplicativo que Gersínio havia usado para encomendar a comida não permite localizar o contato do entregador. Então, ele decidiu contar a história no Twitter para tentar localizar Vagner. Gersínio publicou às 18h17 do dia 1º.
A essa hora, Vagner já tinha feito o caminho de volta para o Largo da Batata, mas não conseguiu chegar a tempo e teve que pagar uma taxa de R$ 5 por ter excedido o período de aluguel da bicicleta. Pelas regras do serviço que ele usa, o veículo teria que ser devolvido no lugar onde retirou.
Pela entrega da Augusta até o Cambuci, o entregador ganhou cerca de R$ 6. Segundo Vagner, por mais longa que seja a pedalada, chegando a 8 ou 9 km, o valor recebido não passa de R$ 8. Folgando apenas às segundas-feiras, ele ganha cerca de R$ 1.700 por mês – valor recebido após rodar cerca de 350 km no mês.
No Twitter, a publicação de Gersínio viralizou e mais de 130 mil pessoas curtiram o tuíte. Várias delas queriam ajudar a localizar Vagner. Até um detetive particular ofereceu seus serviços. A mobilização de Gersínio chegou a outro entregador, que também costuma alugar bicicleta no Largo da Batata. Ele conhecia o Vagner e fez a ponte entre o cliente e o entregador.
O DDD 77 indicava que Vagner era baiano, assim como Gersínio. De Salvador, ele chegou em São Paulo há 8 anos, após passar em um concurso do Tribunal Regional do Trabalho.
Gersínio mandou uma mensagem na quarta-feira (2). Ele queria encontrar Vagner. “Você é o Vagner? Sou o cara que você fez a entrega ontem. Posso te ligar?”
Vagner nasceu no povoado baiano de Pedra Branca, no município de Vitória da Conquista. Ele tinha 6 anos quando sua mãe morreu. Desde então, passou a viver um pouco na casa de tias, de madrinhas e do pai. Com 15 anos, decidiu deixar o interior da Bahia em busca de oportunidades na capital paulista, onde contou com a ajuda de dois irmãos que já moravam na cidade.
Quando Gersínio entrou em contato, Vagner desconfiou. “No mundo de hoje, para você acreditar em alguém que você nunca viu na vida… Mas ele é um tipo de pessoa que está faltando muito no mundo.”
O encontro ocorreu no Largo da Batata, perto das bicicletas de aluguel. Gersínio explicou que queria ajudar o entregador. Vagner quis entender o porquê. “Eu não sei, mano, eu achei que teria que te ajudar”, respondeu Gersínio.
Gersínio ofereceu uma carona até a casa de Vagner, um imóvel de dois cômodos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, cujo aluguel sai por R$ 500, dividido com um amigo.
Depois de ver a repercussão da história de Vagner no seu Twitter, Gersínio propôs uma vaquinha virtual para que o entregador pudesse ganhar uma motocicleta. A meta estabelecida na plataforma do site Razões para Acreditar era de R$ 20 mil. Até este sábado (5), quase R$ 30 mil já tinham sido arrecadados.
“Estou sem expressão, mano, estou nem sabendo conversar com você. Foi uma bomba no meio dos peito. Do nada, do nada”, tentou explicar Vagner.
Com o dinheiro, ele pretende tirar a habilitação de carro e moto e comprar a moto para trabalhar. Sem precisar alugar a bicicleta, Vagner contou que poderá fazer as entregas a qualquer hora do dia ou da madrugada, e juntar dinheiro para ajudar o pai, que mora na Bahia.
Os próximos encontros com Gersínio, diferentemente da primeira conversa, devem levar mais de um minuto. “Um cara diferente, sim. A gente até marcou pra tomar umas quando tudo isso passar.”