O resultado das urnas na eleição municipal deste ano aponta para uma predominância de prefeitos com viés bolsonarista em cidades médias do país. Esses, porém, estão fora da chamada “ala raiz” de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Em geral, são prefeitos filiados a partidos de centro-direita, como MDB, DEM, PSD e PL, mas que fizeram campanha fortemente aparados por movimentos conservadores e pastores de igrejas neopetencostais.
Apesar de não terem recebido apoio público do presidente, fazem elogios públicos a Bolsonaro e mimetizam seu discurso de defesa da família, combate à violência e crítica aos partidos de esquerda. Em alguns casos, transformaram a eleição em uma espécie de luta do bem contra o mal.
Na Bahia, por exemplo, prefeitos eleitos de cidades importantes têm este perfil, caso por exemplo de Jânio Natal (PL), que venceu em Porto Seguro em uma coligação batizada como “Aliança do Bem”.
Jânio afirma que não votou em Bolsonaro em 2018 – escolheu Álvaro Dias (Podemos) no 1º turno e não foi votar no 2º turno. No campo ideológico, classifica-se como um conservador, mas diz que não é um “direitista chato”.
“Concordo com muitas ações do presidente, mas acho que ele às vezes passa do ponto. Mas entre os esquerdistas e Bolsonaro, sem dúvida prefiro as ideias do presidente”, afirma.
Na campanha, conseguiu o apoio de movimentos conservadores e líderes evangélicos. Um dos seus principais atos foi um encontro com pastores com a presença de Silas Malafaia e Marco Feliciano.
Depois de eleito, Jânio Natal convidou a médica Raíssa Soares para ser secretária municipal de Saúde. Ela ganhou notoriedade na pandemia ao gravar um vídeo pedindo a Jair Bolsonaro um carregamento de hidroxicloroquina — medicamento sem eficácia comprovada no combate à Covid-19.
O presidente atendeu ao pedido e determinou o envio do medicamento para os hospitais da cidade. Desde então, Raíssa Soares tornou-se uma espécie de influenciadora digital nas redes bolsonaristas.
Ela, inclusive, engajou-se na campanha de candidatos bolsonaristas em outras cidades baianas como Jequié, onde o ativista conservador James Meira (Patriota) superou políticos tradicionais da cidade e terminou em segundo lugar com uma votação surpreendente.
Outra cidade baiana que elegeu um candidato com perfil conservador foi Teixeira de Freitas, município do extremo-sul do estado que foi um dos quatro da Bahia onde Bolsonaro venceu em 2018. Lá, ganhou a eleição o médico Marcelo Belitardo (DEM),
que disputou o pleito com apoio de grupos bolsonaristas.
Em Vitória da Conquista, terceira maior cidade do estado, foi reeleito o prefeito Herzem Gusmão (MDB), que desde a eleição de Bolsonaro em 2018 se alinhou às ideias do presidente.
Na pandemia, Herzem foi um dos primeiros prefeitos a reabrir o comércio não essencial, ainda no início de abril.
Defendeu o uso de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19 e chegou a até mesmo a criticar o prefeito de Salvador ACM Neto (DEM), seu aliado, por restrições ao comércio e praias da capital.
Na campanha eleitoral, Gusmão recebeu a visita do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, um dos mais ardorosos defensores de Bolsonaro.
Ao ser recebido pelo prefeito no aeroporto, Jefferson classificou a eleição local como uma disputa entre dos defensores “da pátria, família, Deus e liberdade” contra “os ateus, marxistas e comunistas ligados a tudo que é satanismo”.
O prefeito agradeceu o apoio e fez mesuras ao ex-deputado, que cumpriu pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no episódio do Mensalão. “Aqui em Conquista, ele [Jefferson] não será só honrado. Aqui ele será abençoado por Deus. É uma cidade que ora por ele.”
Herzem venceu no segundo turno contra o ex-prefeito Zé Raimundo (PT) em uma campanha dura e com acusações de disseminação em massa de ataques e informações falsas.
Em um áudio que viralizou dias antes da eleição, um pastor evangélico classifica a eleição na cidade como uma guerra “da luz contra as trevas” e faz ataques ao governador Rui Costa (PT) e às religiões de matriz africana.
O cenário se replica em outras cidades médias do Nordeste. Em Campina Grande, segunda maior cidade da Paraíba, foi eleito Bruno Cunha Lima (PSD). Ele faz parte da terceira geração do clã Cunha Lima, que já elegeu dois governadores do estado.
Na campanha, Bruno Cunha Lima mostrou-se alinhado com Bolsonaro e disse que votou no presidente nos dois turnos na eleição de 2018. Não chegou a receber o apoio público de Bolsonaro, mas o cortejou.
Cunha Lima teve como principal fiador da sua candidatura o prefeito Romero Rodrigues (PSD). Ele é pré-candidato ao governo da Paraíba em 2022 e deve ter o apoio do presidente na empreitada.
Em Pernambuco, a cidade de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, continuará sob a órbita de Anderson Ferreira (PL). O prefeito é aliado de Bolsonaro e foi eleito em uma aliança com partidos mais à direita como PSL, PSC e DEM.
Em Petrolina, venceu Miguel Coelho, filho do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB). No ano passado, o prefeito eleito recebeu o presidente em visita oficial e rasgou elogios.
“Queremos sonhar juntos com o senhor. Toda vez que o senhor vier ao Nordeste, saiba que pode parar em Petrolina. Aqui, o senhor tem amigo. Aqui, o senhor tem aliado”, disse Miguel Coelho.
Em Caucaia, segunda maior cidade do Ceará, foi eleito o deputado estadual Vitor Valim (Pros), candidato de oposição ao governador camilo Santana (PT). O político ganhou notoriedade como apresentador de um programa de TV Cidade 190, de perfil policialesco.
No ano passado, Valim recebeu no seu programa o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que falou sobre temas como flexibilização do porte de armas, ideologia de gênero e o projeto “Escola sem Partido”.
Ainda há exemplos de prefeitos da “ala raiz” do bolsonarismo que venceram em cidades importantes fora das capitais. É caso por exemplo de Gustavo Nunes (PSL) em Ipatinga (MG) e Capitão Nelson (Avante) em São Gonçalo (RJ) – ambos receberam o apoio público do presidente.
Fonte: Bahia Notícias