Consórcio Nordeste sofreu um prejuízo de R$ 48 milhões em razão da fraude na compra de 300 ventiladores mecânicos. O negócio jurídico é objeto da Operação Ragnarok, deflagrada pela Polícia Civil na manhã desta segunda-feira (1º) e que levou ao cumprimento de três mandados de prisão, além de outros 15 de busca e apreensão na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
De acordo com a Coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública da Secretaria de Segurança da Bahia (SSP-BA), Fernanda Asfora, o Consórcio Nordeste, formado pelos nove estados da região, firmou contrato de compra e venda com a empresa Hemp Care, que ficaria responsável pelo fornecimento de 300 respiradores mecânicos, que seriam utilizados no combate da Covid-19.
Ocorre que, após o descumprimento dos prazos de entrega de dois lotes dos equipamentos, cada um com 150 ventiladores, em 18 e 23 de abril, e a comunicação do Consórcio com a empresa investigada, foi dado 15 de maio como novo prazo final para a entrega da mercadoria contratada.
“Na véspera, a empresa entrou em contato com o Consórcio afirmando que todos os 300 ventiladores que tinham sido adquirido de uma empresa chinesa chegaram ao Brasil com defeitos, motivo pelo qual o objeto da contratação seria alterado para outro equipamentos de produção nacional e adquiridos em empresa que também é alvo da Operação da Polícia Civil da Bahia”, disse a delegada.
Ainda de acordo com ela, ao que tudo indica, conforme as investigações têm apontado, “a fraude consistia em entregar respiradores nacionais e de menor qualidade, e consequentemente menor valor, para que a Hemp Care lucrasse mais com o negócio”. Fernanda Asfora ainda declarou que os equipamentos chineses sequer foram solicitados.
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, afirmou que, a partir da negativa da Hemp Care em entregar os objetos contratados e diante da nova proposta feita pela empresa de fornecer equipamentos nacionais, o Estado da Bahia acionou a pasta para que fosse iniciada uma investigação. “Os equipamentos não foram entregues e houve recusa para a devolução do dinheiro, motivo que levantou a desconfiança dos estados que integram o Consórcio Nordeste”, disse.
Maurício ainda esclareceu que, com a abertura do inquérito, “foram solicitados quebra de sigilo fiscal, bancário e de telefone”, o que levou ao cumprimento, nesta segunda-feira, dos 15 mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça, além do bloqueio de 150 contas bancárias pertencentes a sócios das duas empresas investigadas, a que firmou o contrato com o Consórcio Nordeste e a que ficaria responsável pela entrega dos ventiladores nacionais não contratados”.
O gestor da pasta da Segurança Pública ainda explicou que “as oitivas das três pessoas presas na primeira fase da Operação, assim como a análise bancária, vão ajudar a identificar a fraude com mais detalhes”. Maurício também mencionou que é possível que existam outras fases da Operação Ragnarok, a partir de outros indícios encontrados da análise dos materiais apreendidos.
Prejuízos
Os nove estados que compõem o Consórcio Nordeste investiram recursos na aquisição dos ventiladores mecânicos, sendo que a Bahia adquiriu 60 equipamentos e os demais estados compraram 30 cada um. Foram, ao todo, R$ 48 milhões pagos antecipadamente à empresa investigada, sendo calculado um prejuízo de R$ 9,6 milhões à Bahia, o que corresponde a 20% do valor total do contrato.
“Todos os estados do Consórcio tiveram parte de seus recursos destinados à aquisição dos respiradores, então todos foram lesados. Queremos recuperar os R$ 48 milhões para que o Consórcio possa investir na aquisição de novos equipamentos para auxiliar no combate da pandemia”, disse o secretário da Segurança Pública da Bahia. Ainda segundo Maurício Barbosa, há ações penais e cíveis no âmbito da operação, cada uma visando amenizar de uma forma os prejuízos sofridos.
O chefe da SSP-BA destacou que “a investigação criminal continua para apontar quais crimes praticados por cada pessoa presa nesta segunda”. Foram três prisões, sendo duas no Distrito Federal e uma no Rio de Janeiro, de sócios da empresa acusada de ter cometido a fraude contratual.
“Do ponto de vista criminal é um caminho e do cível é outro. Cabe à Procuradoria Geral do Estado (PGE) acionar a Justiça para restituição do valor pago ou recebimento dos equipamentos contratados. Temos medidas cautelares já acionadas para o dinheiro voltar aos cofres dos estados, como o sequestro de bens, por meio do bloqueio de contas”, explicou Maurício. Ainda de acordo com ele, a Polícia Civil vai fazer uma busca nas contas bloqueadas para tentar reaver os valores pagos por cada ente do Consórcio.
O procurador-geral do Estado, Paulo Moreno, ressaltou que a Bahia zela pela observância de todos os procedimentos anteriores à contratação. “É evidente que, também em relação à esta, o estado se cercou de todos os cuidados necessários e que, em razão da fraude e prejuízos sofridos, a partir de agora, algumas informações e métodos serão reavaliados”. O procurador também explicou que a realização de contratação com pagamento antecipado, apesar de não ser comum, é prevista na Lei de Licitações: “Neste momento de pandemia e urgência, é a metodologia aplicada”.
Investigação, mandados e prisões
A delegada e coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública SSP-BA, Fernanda Asfora, contou que a notícia-crime sobre a suspeita de fraude foi feita pelo secretário executivo do próprio Consórcio Nordeste, que relatou o atraso na entrega dos equipamentos, além da tentativa de alteração do objeto do contrato e a posterior negativa de devolução dos valores pagos antecipadamente.
“O que chamou a atenção foram as justificativas dadas pela Hemp Care. Primeiro eles alegaram que era seriam uma importação de empresa chinesa, depois falaram que a empresa da China não entregou os equipamentos em razão de todos os 300 terem apresentado problema na válvula”. Fernanda Asfora explicou que o início da investigação se deu com a checagem da existência ou não de comunicação com a empresa chinesa mencionada no contrato.
“A gente contou com trabalho de investigação apurado e, com relação à segunda empresa, que foi inserida na negociação para ceder equipamentos nacionais e de qualidade inferior, quando do último prazo dado para entrega dos equipamentos, o Consórcio recebeu uma comunicação de o objeto do contrato precisaria ser alterado”, declarou a delegada. Ainda segundo ela, o governo do estado da Bahia não aceitou receber os objetos da segunda empresa diretamente.
Com a deflagração da Operação Ragnarok, a polícia conseguiu apreender um ventilador mecânico na sede da segunda empresa investigada. “Na posse da empresa que supostamente seria responsável pela fabricação dos respiradores nacionais, não foi encontrado nenhum equipamento produzido, mas, sim, peças que serviriam para a fabricação de ventiladores. Há indícios de que eles tinham dois ou três equipamentos que serviriam de mostruário, para dar mais credibilidade no momento da negociação”, disse.
A delegada também apontou que já foram identificadas outras tentativas de fraudes em contratos que seriam firmados com outros órgãos, muitos deles federais. “Quando a operação foi deflagrada, esses órgãos entraram em contrato e já soubemos de negociações avançadas com dois hospitais do Distrito Federal, o de Campanha e o do Exército de Brasília. O que se sabe é que essas compras envolviam ventiladores que seriam para todo o país”, afirmou.
O que se tem nesta primeira fase são três prisões temporárias, com duração de cinco dias e que podem ser prorrogadas por mais cinco. “Em caso de necessidade, a pedido do Ministério Público e mediante deferimento da Justiça, é possível que essas prisões sejam convertidas em preventivas, para ajudar a concluir as investigações que ainda estão em curso”, esclareceu Maurício Barbosa.
Parque Industrial
O secretário da Segurança Pública da Bahia também revelou que uma das empresas alvo da Operação Ragnarok, deflagrada nesta segunda-feira (1º), fez a proposta ao Governo do Estado de instalação de um parque tecnológico na Bahia. A possibilidade do empreendimento, inclusive, chegou a ser anunciada pelo governador Rui Costa (PT).
“Houve intenção por parte da empresa investigada de montar um Parque Industrial na Bahia para a produção/distribuição de respiradores. No entanto, o que se tem são respiradores não homologados pela Anvisa e Ministério da Saúde”, disse Maurício Barbosa. Ainda segundo ele, nas buscas realizadas na primeira fase da Operação, não foi encontrado nenhum respirador montado e pronto para ser comercializado.
“Além disso, os respiradores nacionais, dados como sugestão para os equipamentos chineses, nunca foram encontrados. Outros órgãos, inclusive federais, estavam sendo procurados para a venda desses equipamentos. Hoje, já fomos provocados por outros estados para que passássemos informações sobre a empresa e os alvos da operação”, concluiu.
A primeira fase da Ragnarok tem duas empresas envolvidas e investigadas, sendo uma intermediária, que teria um suposto contrato com uma empresa chinesa, além da segunda, que ficaria responsável pela entrega dos ventiladores nacionais aos estados. Todos os detalhes da Operação Ragnarok foi passado ao BNews durante coletiva de imprensa realizada na manhã desta segunda-feira (1º) e que contou com as presenças do secretário da Segurança da Bahia, Maurício Barbosa, da delegada Fernanda Asfora, além do procurador-geral do Estado, Paulo Modesto.