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O Brasil não enfrenta os casos de estupro com a seriedade e cuidado que a temática necessita. Não há duvidas acerca da existência de uma gigantesca subnotificação. Contudo, o caso que tomou conta da mídia nacional na semana passada demonstra que a subnotificação é apenas a ponta do iceberg. O descaso, a revitimização e a impunidade são muito mais danosos.
A formação cultural brasileira impôs à sociedade o desconhecimento do que é um abuso sexual, do que é um estupro. Durante séculos, estabeleceu-se a firme convicção de que a mulher casada tinha o dever de satisfazer os desejos sexuais do seu esposo quando e da forma que ele quisesse. É ainda incipiente o conhecimento de que independente da natureza do relacionamento, se a relação não acontecer no momento e da forma que os dois desejarem estamos diante de um estupro.
Com efeito, historicamente, a mulher não era respeitada como sujeito de direitos e deveria se submeter aos abusos, inclusive sexuais, sem buscar o Estado Juiz para reclamá-los.
É certo que relembrar os fatos, falar sobre o estupro sofrido, estar diante de um estuprador durante um processo judicial faz com que a vitima sofra mais umavez. Os transtornos psiquicos causados à violentada, durante um processo, são incontestes e, também por isso, muitas vezes a ela não busca o Estado para denunciar.
Felizmente, essa realidade vem mudando a cada dia. O trabalho de conscientização trouxe um avanço exponencial nas ultimas décadas.
Durante muito tempo, o questionamento era destinado às autoridades policiais. Arguia-se que a policia humilhava as vitimas, não dava atenção aos casos de violências contra mulheres, sobretudo aos estupros.
Certamente, o maior avanço no enfrentamento ao estupro e todas as formas de violência contra a mulher ocorreu no âmbito policial. A criação das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres e o trabalho das redes de proteção trouxeram um olhar, um acolhimento e um trabalho absolutamente diferenciado do que havia no passado.
Todavia, os vídeos de uma audiência de um processo judicial que apura a existência de estupro que vieram àpúblico na última semana nos revelou um cenário de horrores.
Em que pese todo o trabalho de conscientização, toda evolução na fase policial, constatamos um Estado Juiz conivente e apático. Não conhecemos a fundo os autos do processo e, por isso, não reunimos condições para afirmar se efetivamente houve ou não o estupro.
Entrementes, todos puderam ver uma mulher ser atacada de forma tacanha, sofrer uma verdadeira tortura psicológica pelo advogado do suposto estuprador. Algo absolutamente asqueroso. Não há duvidas do sofrimento vivenciado por ela em audiência. Contudo, o mais estarrecedor é o fato do juiz não fazer qualquer objeção ao linchamento que a suposta vitima estava sendo submetida, limitando-se a perguntar se desejava uma pausa para beberágua. Revolta igual nos causa o fato do representante do Ministério Público, fiscal da lei, titular da ação penal, assistir às agressões em um silêncio sepulcral.
Se não podemos afirmar que houve ou não o abuso sexual, não temos dúvida alguma de que a suposta vítima fora revitimizada, sofreu um verdadeiro estupro moral, em audiência, na frente de um juiz e um promotor que nada fizeram além de assistir.
Infelizmente, mesmo após décadas de luta, após muitas vidas serem ceifadas, um incansável trabalho de conscientização, o grande avanço ocorrido no âmbito policial, temos a certeza de que o caminho a ser percorrido ainda é muito grande e quem menos, ou nada, evoluiu é de quem mais se esperava.
Por Lucas Nunes, advogado