Em um momento de calamidade pública as crises se instauram, os ânimos se afloram,
e as personalidades se revelam.
Nesse momento as formas de (re) agir diante da hecatombe são de suma importância
para o entendimento acerca da responsabilidade social de cada cidadão.
O individualismo crescente e, em muitos casos, o egoísmo doentio, faz com que
muitos se esqueçam que a vida em sociedade não permite direitos absolutos. As
liberdades individuais possuem limiares para que o direito do outro não seja violado,
para que o outro não seja agredido por um exercício absoluto de direito por parte de
um indivíduo irresponsável. A liberdade cidadã é obrigatoriamente participativa, posto
que não acorde com individualismo ou a passividade.
O direito de propriedade é uma garantia Constitucional, disso não pairam dúvidas. Mas obviamente, não é um direito irrestrito. Teratológico, de fato é, que alguns
mentecaptos desconheçam que a propriedade necessita cumprir a sua função social,
o que obviamente, compreende direito de passagem, servidão, passagem de águas e
uma série de deveres sociais.
Todavia, neste momento de crise, o individualismo se revela tão agressivo, que muitas pessoas ignoram os deveres decorrentes da cidadania, a responsabilidade social do ser humano.
Saliente-se, peremptoriamente, que os deveres da cidadania, independem e não tem
qualquer relação, com a visão ideológica concebida por cada um. É inequívoco que a
vida em sociedade impõe restrições ao cidadão, e esses limites são impostos a todos
que vivam em sociedade, sejam eles comunistas, socialistas, liberais, monarquistas,
ou de qualquer outra ideologia.
Em alguns condomínios, as pessoas têm ido com os filhos para parques, quadras,
estufam o peito e arrotam que são moradores, estão com seus filhos e tem o direito de utilizar daquilo que são donos.
O direito de ir e vir, assim como direito de propriedade, tem garantia inclusive
Constitucional, mas, obviamente, esse direito também não é incondicional. Eu não
posso pegar meu carro e dirigir na contra-mão. As pessoas não têm o direito de andar completamente despido onde quiserem.
Num momento de calamidade pública provocada por uma pandemia decorrente de um vírus de transmissão entre humanos, o ser humano, o corpo humano, não é um direito absoluto do cidadão. Não há espaço para “meu corpo, minhas regras”. O corpo
humano é vetor de transmissão de um vírus letal, que vem dizimando parcela da
humanidade. A forma como cada ser humano se comporta, a (re) ação de cada ser
humano pode provocar uma mortalidade em nível exponencial.
É irrelevante se a pessoa tem ou não medo do vírus, o cerne da questão é a
responsabilidade de não contaminar o outro, de não levar o vírus para casa, de não
superlotar os hospitais e impossibilitar que um paciente oncológico, ou um paciente
infartado padeça sem um leito hospitalar, em virtude de estarem esgotados por
irresponsáveis.
Nesse momento, a vida em sociedade exige condutas humanas ainda mais rígidas,
usar máscara deixa de ser uma escolha pessoal, mas sim uma consciência social.
Adotar o isolamento social, sair de casa apenas em momentos de absoluta
necessidade não é um arbítrio pessoal, mas um dever da vida em sociedade.
A bem da verdade, o carinho, o cuidado com o próximo, pelo menos com o mais
próximo, com uma avó em idade avançada, com um irmão imunossuprimidos,
efetivamente deveria ser uma singela escolha pessoal.
Mas infelizmente, muitos descumprem as regras de prevenção ao Novo Coronavírus,
sob o pretexto de “matar a saudade”. Efetivamente, podem matar, mas não a saudade.
Evidentemente, não estamos a tratar das pessoas que realmente necessitam sair para garantir os produtos e serviços essenciais, nem tampouco das pessoas que
necessitam se amontoar nas filas dos bancos para garantir o alimento essencial.
Indubitavelmente a falta de consciência social, se revela, em sua modalidade mais
cruel, naqueles que se recusam a usar máscaras, naqueles organizam ou participam
de atividades esportivas coletivas, naqueles que organizam encontros ou festas em
suas casas.
Neste cenário, lamentavelmente, não podemos depender do bom senso de que não o
possui. Não há margem de escolha. Ainda que compulsoriamente, as regras de
prevenção ao Novo Coronavírus devem ser observadas em virtude do dever de
cidadania, da obrigação social da pessoa humana.
A cidadania garante uma série de direitos que são cobrados, exigidos com extrema
facilidade. Entretanto, ser cidadão não se restringe ao fato de ser titular de direitos,
mas também deveres. E num momento de calamidade pública, a exigência e
relevância social desses deveres são ainda mais relevantes. É a partir da
responsabilidade social, da exigência dos direitos, mas também do cumprimento dos
deveres, que se exercita a cidadania em plenitude.
Lucas Nunes é advogado