Por Lucas Nunes, advogado
A história das organizações sociais na antiguidade é marcada por estruturas autoritárias. As decisões e as escolhas dos dirigentes eram estabelecidas por castas absolutamente restritas, não se podendo falar em participação social.
Os Estados antigos tiveram como elemento essencial de formação de sua vontade a força. Nem mesmo na Grécia podemos falar verdadeiramente em atuação social, posto que a seletividade era extrema.
John Locke escrevendo sobre política, no Século XVII,traz a tolerância como a possibilidade de atuação de todos, em espaço diverso, com ideias diversas, mas com interesses comuns.
O surgimento do Estado Moderno e, mais à frente, o Estado liberal, pretendiam determinar uma maior liberdade aos indivíduos, e liberdade de participação na tomada de decisões da sociedade. Não estamos a falar de presença popular plena, nem igualitária, apenas maior.
Posteriormente, o embate entre Estado Socialista e oEstado Liberal, naquele momento histórico, onde esses atores que imaginavam e estabeleceram governos centralizadores, com modelo único de pensar e de agir,trouxe-nos de volta o Estado de Opressão.
A partir de então, retomamos a ideia de formação do pensar e agir homogêneo, hegemônico e puro, com a construção da narrativa de que o diferente é o inimigo, que necessita ser aniquilado.
Destaque-se, por oportuno, que ao falar de perseguição, não estamos tratando de “direita” ou de “esquerda”.Afinal, quem é o intolerante de fato? A “esquerda” ou a “direita”? Aqueles que não admitem forma diferente de pensar estão em todos os lugares. A intransigência está em todos os lugares. Aqueles que acham que suas ideias são as únicas que podem existir, que não acreditam na possibilidade do outro ser igual a você, mesmo pensando diferente, são os intolerantes.
Passadas décadas de sectarismo, vencidos os modelos autoritários, que existiam de ambos os lados, floresceram as idéias democráticas com participação popular.
O Regime Democrático traz como pilar central a soberania popular e, por consequência inafastável, o respeito à liberdade de consciência do outro.
Todavia, os escândalos de corrupção, as crises econômicas e as falhas do Estado Social Democrático, abriram margem ao ressurgimento de regimes intolerantes e, frise-se mais uma vez, tanto de “esquerda” quanto de “direita”.
O desrespeito aos que pensam diferente, a construção de gabinetes de ódio, a tentativa de imposição da forma de pensar e agir de maneira hegemônica e pura, com a idéiade que o diferente é um inimigo, que necessita ser aniquilado, disseminou-se por países afora.
Vivenciamos o surgimento de “Democracias de slogans”, onde não há espaço para o diálogo, não há qualquer compromisso com a verdade, apenas com narrativas, não há interesses sociais, os objetivos são sempre “lacrar” ou “mitar”.
No Estado de Intolerância, há o direito de agredir, difamar, vale tuto contra o inimigo. E o inimigo é todo aquele que pensa diferente.
Faz-se necessário um Novo Constitucionalismo Democrático como alternativa político-jurídica às investidas autoritárias do Século XXI. Um modelo que tenha como componente indispensável a tolerância.
As falhas das Democracias constitucionais permitem o seu melhor conhecimento, correção e a consequente adaptação de suas instituições políticas.
Chegou a hora de assumirmos a insinceridade normativa de nossa Constituição Federal. É Necessário confessar que não cumprimos nossas promessas constitucionais. Resta saber, é certo, se por impossibilidade prática, por desinteresse dos representantes periodicamente eleitos ou por aplicação de um verdadeiro estelionato político-constitucional, por mais forte que o termo possa parecer.
Com efeito, para entendermos esse novo caminhar constitucional, mister se faz, primeiramente, destacar que não podemos continuar iludindo a sociedade por mais 32 anos de que todos os problemas sociais serão solucionados pela Constituição.
O Estado deve sujeitar-se a uma terapia adequada. Há que se prometer apenas aquilo que efetivamente for possível garantir. E assegurar tudo aquilo que for prometido. Mas, sobretudo, salvaguardar a Democracia. Somente no regime substancialmente democrático podemos falar verdadeiramente em participação popular e preservar um Estado de Tolerância.
Nesse desiderato, não há dúvidas de que a garantia do sistema Democrático passa por um sistema de freios e contrapesos mais rígidos, com o controle entre Poderes de maneira mais objetiva, a fim de evitar os abusos, coibir as investidas contra a Democracia e impedir o Estado de Intolerância.
Os radicais não tem espaço no Constitucionalismo Democrático. Não porque não podem pensar diferente, mas porque não podem sucumbir à Democracia.
Tolerância é diferente de apatia. É dever admitir a possibilidade de o outro pensar e se posicionar como é. O lugar de fala deve ser sempre preservado, mas as investidas contra a Democracia, jamais.
O projeto iluminista do constitucionalismo e da soberania popular seguirá sua obstinada trajetória, defendendo os ideais da razão, da ciência e do humanismo para a solução dos complexos problemas que se apresentam às sociedades atuais.
Um Novo Constitucionalismo Democrático não é umaquestão de escolha para o século XXI, é a sobrevivência da Democracia.