Instrumentos de corda e sopro, um conjunto de coro, a voz potente do menestrel Xangai e as batutas precisas do maestro João Omar deram vida à paisagem sonora da Ópera Fantasia Leiga Para Um Rio Seco, que encerrou a FliConquista neste domingo (19).
Finalizando a programação da FliConquista, realizada de 15 a 19 de dezembro, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, a ópera foi apresentada em duas sessões. A primeira no sábado (18), com um preâmbulo de Paulo Cézar Lisboa e João Omar.
As apresentações da Fantasia Leiga Para Um Rio Seco, performadas pela Orquestra Conquista Sinfônica, são históricas porque a ópera só havia sido apresentada uma única vez no Teatro Castro Alves, em Salvador. Após 42 anos de escrita, Vitória da Conquista prestigia a obra de um dos seus artistas mais ilustres.
Fantasia Leiga Para um Rio Seco narra os eventos da Seca do Noventinha, que castigou a população do Nordeste no final do século XIX, concentrando-se especialmente no Sudoeste da Bahia. As condições climáticas, somadas ao contexto social de exploração, resultaram em tragédia: fome, êxodo rural e morte. Outros elementos se uniram para compor a narrativa literária da Fantasia Leiga orquestrada por Lindembergue Cardoso no original.
Público prestigia nova montagem de Fantasia Leiga Para Um Rio Seco
No teatro principal do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, as luzes incidiam sobre a orquestra, resplandecendo sobre o tablado, como um sol inclemente. O palco, com cenários em tons alaranjados que evocam o sol que castigou o sertão durante o período, exacerba o clima árido e o lamento de um povo que enfrenta a fome, a seca e o desamparo. O público contribuía para emoldurar a cena, mantendo um silêncio compenetrado que ecoava o rigor enxuto do sertão.
A Fantasia Leiga está dividida em cinco cantos, acompanhando a jornada de um retirante que perdeu família, terras e foi forçado a abandonar seu lar: “Incelença pra Terra que o Sol Matou”, “Tirana”, “Parcela”, “Contradança” e “Amarração”.
A voz humana, encarnada por Xangai, repercutia por esse cenário de desolação, dialogando com o coro, que na orquestra simboliza o sagrado. Cézar Lisboa, sociólogo que contextualizou a obra na FliConquista, afirmou que “para esse homem, o sagrado é o componente fundante de sua vida”.
O sociólogo explica o que a fé significava para os desvalidos naquele contexto de fome e emigração: “Quanto mais se afasta de seu lugar, mais encontra dilaceração. A cada passo, o narrador vê suas forças minguarem e, diante do terror do caos, lhe resta mergulhar ainda mais no mundo do sagrado, sedento por participar da instância do ser que restaura a ordem cósmica”.
No quinto ato, que possui contornos épicos e apocalípticos, nos despedimos do personagem principal: mas de repente aos olhos da crença/ vejo na frente um chapadão sem fim/ um céu aberto uma luz imensa/ santos e anjos cantando para mim.
O maestro João Omar expressou satisfação por ter trazido à luz esse legado do seu pai, Elomar. “O meu sentimento é esse: não permitir que Fantasia Leiga Para Um Rio Seco ficasse escondido, oculto”, afirmou.
Ele celebrou ainda a diversidade do público, que na FliConquista tiveram acesso à obra. “A Feira permite essa permeabilidade de públicos diversos, dando acesso à música brasileira, a música baiana, a música conquistense, para que eles possam perceber o quão grandiosa ela é”.
Após a apresentação na FliConquista, a expectativa é que a Fantasia Leiga Para Um Rio Seco possa repercutir cada vez mais, no Brasil e em todo o mundo.